Alberto Pinto Nogueira, Procurador-Geral Distrital junto do Tribunal da Relação do Porto, culpa políticos pela situação do país e diz que leis labirínticas impedem verdadeiro combate à corrupção. Magistrados estão transformados em burocratas. ‘Não foi o cidadão que criou desgraça’.
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Responsável máximo pelo Ministério Público (MP) nas 72 comarcas do Norte do país, Alberto Pinto Nogueira dispara em todas as direcções. Não escapam os políticos, as políticas, nem o próprio procurador-geral da República.
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– O Governo define como prioridade o combate ao crime económico…
– A lei de política criminal tem 50 crimes prioritários. Se tudo é prioritário nada é prioritário…
– A corrupção não é inovação?
– Não. Já lá estava, mas escondida. Porque se sabe muito bem quem é que criou a desgraça do país. Não foram os senhores, nem eu. Eu só gastei o meu dinheiro. Não foi o cidadão, embora se passe a ideia política de que são os cidadãos os responsáveis pela dívida. Ainda não se fizeram as grandes auditorias. A CP deve quanto? A Galp deve quanto? A Metro do Porto deve quanto? Foram os senhores que gastaram? Há imensas corrupçõezinhas.
– Mas o MP está preparado?
– Pode não estar, mas tem que estar. E não é só o MP. São as polícias de investigação, designadamente a PJ. Precisa de qualificar as competências e de meios. Quantas pessoas trabalham no processo Furacão? Meia dúzia. É preciso inventar outro tipo de processo, outro paradigma para atacar a corrupção antes e não depois.
– Inventar que processo?
– Num sistema em que o Estado confiasse nos magistrados, o Código de Processo Penal não teria mais do que 30 artigos, como nos EUA ou Inglaterra, onde o juiz cria a lei para o caso concreto. Aqui, como o poder político não confia nos magistrados, apertaos naquelas coisinhas todas. Convertem-se em burocratas.
– Fala dos juizes?
– No MP também. Faz-se despachos de 200 folhas para não dizer nada. Os computadores são máquinas excepcionais, mas também perigosíssimas por causa do “corta e cola”. Parece que é tudo igual e não é. Cada caso corresponde uma situação concreta, a um problema humano/social ou económico. Não é uma brincadeira, não é um puzzle…
– Faz sentido combater a corrupção inventando um novo crime de enriquecimento ilícito?
– Esse novo crime partiu da cabeça de uma pessoa que andou a investigar a Câmara de Lisboa – eu não digo quem é mas toda a gente sabe – e no fim disse: “Não acusamos porque não é crime”. Ora, só se acusa se for crime! É estupidez. O crime de corrupção deveria ser reformulada Está mal redigido e até um jurista se vê à rasca para o interpretar.
– Há problema entre políticos e justiça?
– Os políticos não podem com o MP. São democratas, mas jacobinos. Quando chega a Justiça à porta deles, vê-se o que acontece.
– Tem receio do que os políticos possam fazer à Justiça?
– Tenho medo é dos telefonemas dos políticos. Já houve um político que telefonou para cá porque uma procuradora do DIAP acusou-o. Queria que eu demitisse a procuradora… E, não contente, telefonou ao procurador-geral.
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