“O próprio inquisidor-geral Dom Francisco de Castro reconhecia em 1630 que se o reino estava menos rico, em compensação estava mais católico”
Inquisição de Évora, António Borges Coelho
Sou um produto do conservadorismo rústico português, nasci e cresci numa aldeia minhota, trabalho, porque gosto e quero, num concelho rural do interior. Não existem materialistas-dialéticos na terra onde cresci, nem na família, tampouco nos amigos de infância e juventude, não abundam, também, cá pelas bandas da Freita. Mas estou bem assim, um rústico entre rústicos… e nada mais.
Contudo, a relação com a ideia, o conservadorismo português, seja lá o que isso for, é ambivalente, gosto do respeito mas abomino o respeitinho. Esta ideia, este modo de ser, vem de longe, a citação que encima estas letras pode ser o ponto de partida. O drama que a frase encerra não se esgota na pobreza material e na eliminação dos sectores mais dinâmicos e culturalmente mais desenvolvidos da sociedade portuguesa da época às mãos dos grandes interesses parasitários, o alto clero rentista. Portugal não perdeu só os seus melhores, na fogueira ou no exílio, impregnou no seu modo de vida o atavismo e a obediência, como se dizia quando eu era miúdo, “é um rapaz bem mandado”.
A dada altura, no curso da história, a coisa pareceu mudar, arejou um pouco, acabou a divisão entre cristãos-velhos e cristãos-novos, mas logo o situacionismo substituiu, convenientemente, o inimigo judeu. No final da década de 60 do sec. XVIII abriu a primeira loja maçónica na ilha da Madeira. Rentes de Carvalho, provocador q.b. (Portugal a flor e a foice) encontrou esta correspondência entre o chefe da polícia e o juiz de investigação de então: “Aquele que V.M. vir de sapatinho bicudo e mui brunido, atilhos nos calções, com gravata por cima da barba, colarinho até meia orelha, cabelo rente no toitiço e tufado sob a moleirinha com suíças até aos cantos da boca, agarre-se logo nele, tranque-mo na cadeia carregado de ferros, até que haja navio para o Limoeiro: é iluminado ou pedreiro-livre”.
E o respeitinho e a obediência lá se foram conservando, os inimigos internos iam-se sucedendo, ao pedreiro-livre, o anarco-sindicalista, bem vergastado pelos poderes da I República e com o António de Santa Comba, o comunista.
Mas como tudo na vida, há um outro lado. O conservadorismo português, particularmente entre os rústicos, inclui, também, o respeito, a humildade e a boa educação, os quais mesmo no tempo dos bufos não desapareceram.
Sobre os dias de hoje, e a atitude caceteira no espaço público, é assertiva a caracterização do Papa Francisco, na encíclica “Fratelli Tutti”, “a política deixou de ser um debate saudável sobre projetos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e do bem comum, limitando-se a receitas efémeras de marketing cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro. Neste mesquinho jogo de desqualificações, o debate é manipulado para o manter no estado de controvérsia e contraposição”.
Estou curioso quanto aos próximos tempos. Vamos vendo, aqui e ali, a falta de educação e a boçalidade de mão dada com nostalgias de outrora. Veremos o que vai pesar mais, no que resta da sociedade rural deste país, o respeito ou o respeitinho.
“Discurso Directo”, 19/02/21