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domingos abrantesA «descoberta» da concertação social pela social-democracia no pós-guerra teve os mesmos objectivos que tem hoje: paralisar a acção reivindicativa de massas, integrar os sindicatos no sistema, numa fase de ascenso do movimento operário.

A «concertação social institucionalizada» é parte integrante das políticas e dos mecanismos de liquidação das grandes conquistas sociais e económicas alcançadas com a Revolução de Abril, assumindo cada vez mais, à medida que se amplia e consolida o processo contra-revolucionário, a função de suporte social às políticas de agravamento das condições de vida das massas, de restauração do poder discricionário dos patrões e das políticas governativas que os servem, de reversão das grandes conquistas democráticas – nacionalizações, reforma agrária, controlo operário – e da consequente reconfiguração dos grandes grupos económicos e financeiros e do latifúndio.

A não se verificar uma ruptura com o rumo imposto ao país pelas políticas de direita seguidas pelos partidos que nos têm governado há quase 40 anos – PS, PSD e CDS – o que se pode esperar é mais do mesmo e a continuação da «concertação social» como instrumento avalizador dessas políticas no plano social, para o que contam – como sempre contaram – com a prestativa colaboração da UGT, emanação no plano social dos entendimentos políticos daqueles partidos.

Os programas eleitorais da Coligação PSD/CDS e do PS para as eleições de 4 de Outubro estão cheios de profissões de fé nas virtualidades da «concertação social». O programa da Coligação refere-a três vezes e o PS dez vezes. Ambas as forças políticas se propõem reforçar os mecanismos de concertação social. Para o PSD/CDS, «enquanto local preferencial de construção de entendimentos e alinhar os interesses dos vários parceiros, tendo em vista contribuir para o aumento da produtividade nacional e a geração de emprego». Para o PS, com vista à construção de «um acordo de concertação social estratégico e plataformas alargadas de entendimento político, para vencermos os problemas e aproveitarmos juntos as oportunidades da próxima década».

Uma lengalenga repetida há décadas como varinha mágica para a resolução dos problemas de competitividade da economia nacional, a melhoria das condições de vida das massas, o combate ao desemprego, objectivos que a realidade teima em não confirmar.

O sistema de «concertação social», embora institucionalizado em Março de 1984 por iniciativa do governo PS/PSD (Mário Soares/Mota Pinto), partidos igualmente criadores da excressência sindical que dá pelo nome de UGT, começou a ser tentado com o I Governo Constitucional do PS/Mário Soares e que lhe marcou a matriz: quebrar a luta organizada do movimento sindical e conseguir a sua corresponsabilização nas políticas de reversão das conquistas democráticas e do sistema de relações laborais, resultantes da Revolução de Abril, objectivos claramente assumidos por Mário Soares na apresentação do programa do seu governo na Assembleia da República.

Os governos do PS e da direita encontraram um grande obstáculo à concretização das tentativas de concertação social: a Constituição ainda não revista e a não existência de uma estrutura que no plano sindical assumisse os interesses do patronato.

A compreensão da natureza da «concertação social» como instituição e como prática, dos seus objectivos reais, das suas decisões e consequências para os trabalhadores e seus direitos, do suporte político e sindical que lhe dá corpo e da ideologia que a justifica, é da maior importância para o reforço das organizações sindicais de classe, vinculadas à defesa dos direitos dos trabalhadores e suas condições de vida e de trabalho. É igualmente indispensável para assegurar a existência de um movimento operário e sindical autónomo, instrumento e condição necessária à luta de emancipação económica e social.

Nesta batalha de esclarecimento sobre a natureza da «concertação social» não pode ser subestimada a intensidade da propaganda ideológica e dos meios utilizados na «venda» do «Diálogo Social» como paradigma de relações sociais modernas, europeias, responsáveis, de resolução democrática de interesses diferentes, contrapostas a relações sociais marcadas pela conflitualidade social causada por um sindicalismo obsoleto, fora dos tempos modernos, aferrado à ultrapassada luta de classes, propaganda que se intensifica e refina quanto mais se aprofunda a ofensiva contra os direitos e condições de vida dos trabalhadores e se ampliam os objectivos de desmantelamento dos valores de Abril e suas aplicações práticas.

A propaganda das virtudes do «Diálogo Social» invade o nosso quotidiano e é tão intensa e elaborada que acaba por integrar – objectivamente nuns casos, em outros subjectivamente – o léxico das próprias vítimas, que a assimilam de forma acrítica, desde logo a bizarra teoria de considerar os explorados e os exploradores como «parceiros sociais», baseada numa mistificadora teoria sobre a natureza das relações sociais, explicadas não a partir da análise das estruturas económicas, das relações de produção que determinam verdadeiramente os interesses e o lugar das classes na sociedade, como determinam o papel do Estado como poder das classes dominantes, mas explicando-as a partir da análise das formas político-jurídicas, segundo as quais as diferentes classes, elevadas à categoria de «parceiros sociais», se encontram em pé de igualdade e devem empenhar-se na procura do bem comum.

A tese de que a «concertação social» tem «como característica essencial uma atitude de corresponsabilização dos interesses organizados por objectivos comuns e a capacidade para ceder mutuamente» filia-se nos princípios do corporativismo, adaptados à nova realidade do país, no qual existem sindicatos livres, direito de manifestação e de contratação colectiva.

Quando da criação do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS), em 1984, a CGTP-IN, avaliando a situação concreta que se vivia na altura, tomou a decisão de não integrar aquele organismo, e fê-lo sustentando que a sua participação iria contribuir para «avalizar um sistema de relações colectivas inspirado no corporativismo e frontalmente contrário à Constituição e que a sua participação «tendo em conta as suas atribuições, composição e funcionamento, nenhumas possibilidades concretas oferecia de defesa dos interesses dos trabalhadores».

Decorridos mais de 30 anos sobre esta caracterização da «concertação social institucionalizada» feita pela CGTP-IN – partilhada por diversos especialistas em Direito – o que se pode concluir é que era inteiramente justa, está confirmada na prática e nenhuma retórica a pode desmentir, caracterização que não se alterou com a decisão da CGTP-IN, tomada em 1987, de ingressar no CPCS tendo em conta a avaliação da situação política e social de então.

Sabemos por dolorosa experiência o que significaram mais de quatro décadas de corporativismo, de «harmonia trabalho/capital», de proibição de acções reivindicativas, de rejeição do sindicalismo de classe.

Se nos ativermos à essência das coisas e não à semântica, se atentarmos nas prédicas que proliferam (de Paulo Portas, Pires de Lima…) contra o papel nefasto dos sindicatos, de condenação da acção reivindicativa considerada contrária aos interesses nacionais, as ameaças ao direito de greve, à consideração da Constituição como um tropeço à boa governação; se não nos esquecermos da teoria, largamente difundida, do Estado acima dos interesses particulares (neutro, mediador na gestão de «interesses diferentes», a bem da Nação), ver-se-á que as teses neo-corporativas que justificam o papel da «concertação social» mergulham em profundos fundamentos teóricos de cariz fascista.

Salazar, que não precisava de recorrer a eufemismos para defender que sendo o capital o criador da riqueza tudo devia ser feito para seu benefício (na versão de Paulo Portas esses benefícios justificam-se porque as empresas é que criam empregos), defendia o corporativismo como meio para a harmonia entre o trabalho e o capital porque o corporativismo, negando o predomínio do económico sobre o social, bem como o domínio do social sobre o económico, «opunha a unidade à divisão, a solidariedade ao ódio, a indisciplina à organização, conduzindo ao caldear da Nação ao Estado e que deste modo não existe sindicato onde não existe espírito corporativo.»

Como é sabido uma das primeiras grandes medidas de Salazar para alcançar a «harmonia entre o trabalho e o capital» foi pôr fim ao sindicalismo livre, de classe. Porque – dizia – «Não há sindicato onde não há espírito corporativo» e que «os sindicatos devem ter a compreensão da necessidade de cooperar (leia-se com o capital e o seu governo, supostamente representante da Nação) para o progresso da economia nacional». E para os que não o entendessem ficava o aviso: «onde tais princípios não existem, mas só o espírito de classe, não temos verdadeiramente o sindicato, temos a associação revolucionária, a força ao serviço da desordem».

E porque os mais consistentes teóricos das virtualidades da «concertação social» se situam no campo da direita, antes de explicitar o seu pensamento socorremo-nos do Papa Pio XI que, em 1937, numa altura em que o nazismo ameaçava todos os povos, se liquidavam regimes democráticos e se abatia uma feroz repressão sobre o movimento operário e sindical, denunciava e apostrofava freneticamente o comunismo maléfico gerado pelo não menos maléfico liberalismo, verberava a luta de classes – não as classes – e todos os que lutavam por uma nova ordem social mais justa, sem exploração, acusando-os de pôr em causa com essas pretensões maléficas a existência de uma estrutura social natural, existente por vontade de Deus, e defendendo que a «verdadeira prosperidade do povo se deve procurar segundos os princípios dum são corporativismo, que reconheça e respeite os vários graus de hierarquia» e que era «necessário que todas as corporações – patrões e trabalhadores – devem organizar-se em harmoniosa unidade para promoverem o bem comum da sociedade, e o papel do Estado (o poder público) consiste em promover esta harmonia e coordenação de todas as forças sociais».

Em linguagem mais terra à terra, o que Pio XI defendia, e que se tornou a bíblia do fascismo e continua a ser hoje a de muita gente, era a resignação do trabalho face à exploração, tendo o Estado – despojado da sua natureza de classe – como garante da sociedade dita natural, para o bem comum.

A ideia de um Estado supostamente neutro face aos «interesses diferentes» – nunca se diz opostas – mediador na harmonia desses interesses para bem de toda a sociedade, é uma ideia central no corporativismo e no funcionamento da «concertação social institucionalizada». E, no entanto, a verdade é que num e noutro sistema o que é determinante é a acção coerciva do Estado a favor do capital, contra o trabalho.

Deve-se ao Professor Mário Pinto, na altura figura destacada do PSD, apologista e principal teórico das virtudes da «concertação social institucionalizada», a elaboração da mais mistificadora teoria sobre a natureza e o papel da «concertação social institucionalizada», defendendo que esta «na medida que significa uma entrada dos sindicatos na área da decisão política (…) tem como consequência prática uma substituição das partes», ficando a função da mediação política destas «enfraquecida, com esta espécie de governo sindical (sublinhado nosso) por via de acordos com o governo». E como se fosse a coisa mais natural do mundo, como se o regime democrático constitucional fosse para esquecer, acrescentava que «até o próprio Parlamento se pode vir a sentir menos livre perante consensos entre governos e sindicatos».

E, assim, os sindicatos com «esta espécie de governo sindical» «podiam «muito bem aproveitar esta oportunidade histórica para se estabelecerem como parceiros da concertação de políticas governamentais e, desse modo, entrarem no governo da sociedade».

Não sabemos por que razão o patronato – o principal beneficiário da concertação social – ficava de fora deste «governo da sociedade», mas esta pretensa parceria na concertação de políticas governamentais resume-se à procura da corresponsabilização dos sindicatos pelas políticas definidas e executadas pelos governos sem a menor participação dos sindicatos e sem que tenham qualquer possibilidade de intervir na sua execução, a se resignarem à aceitação dos sacrifícios, a bem dos interesses comuns da sociedade.

Entretanto, lembramos que, contrariamente à pretensa entrada dos sindicatos no «governo da sociedade», o que se tem verificado é a liquidação de direitos consagrados constitucionalmente que garantiam a efectiva intervenção democrática dos trabalhadores, dos sindicatos, das comissões de trabalhadores, nas empresas e na organização das unidades produtivas. Direito efectivo, e não formal, à participação na elaboração de legislação do trabalho, o direito à participação efectiva na gestão das unidades de produção do sector público, o controlo operário como expressão de intervenção democrática das massas trabalhadoras na economia nacional, o direito à participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e das organizações representativas dos demais beneficiários.

O patronato e os partidos que o representam nunca se conformaram com o sistema de relações laborais saído da Revolução de Abril e que a Constituição consagrasse como função do Estado «Desenvolver de forma criativa os órgãos de poder democrático que assegurem a participação determinante das massas populares na construção do novo aparelho de Estado e na solução dos problemas nacionais» e que se considerasse ser função do controlo operário «operar uma nova disciplina no trabalho, e a participação determinante das massas trabalhadoras na reestruturação do aparelho produtivo na batalha da produção para o aumento decisivo do produto e da produtividade nacional».

Um outro destacado elemento do PSD, Nascimento Rodrigues (co-fundador da UGT), com Maldonado Gonelha (do PS) e a sábia assessoria da CIA, um apologista militante da concertação social institucionalizada, deixou-nos duas importantes ideias quanto aos objectivos que esperava fossem atingidos com a «concertação social». Uma era que ela pudesse «assegurar que os sacrifícios [dos trabalhadores] são aceites, por si próprios controlados e que [os sacrifícios] são socialmente vantajosos para os trabalhadores». A outra ideia é que esperava que a concertação institucionalizada fosse decisiva «para a mutação do nosso sistema de relações industriais», devendo entender-se por essa «mutação, dizemos nós, o desmantelamento dos direitos dos trabalhadores e dos sindicatos e do seu papel na sociedade e na vida económica resultantes da Revolução de Abril.

A «concertação social institucionalizada» foi, pois, concebida como um instrumento da maior importância para a execução do desmantelamento do sistema de relações laborais saído da Revolução de Abril e cujas funções básicas são: procurar integrar os sindicatos no sistema de exploração, a renúncia à luta de massas contra as medidas lesivas dos interesses dos trabalhadores e por melhores condições de vida, corresponsabilizar os sindicatos pelas políticas ao serviço da restauração dos grandes grupos económicos e financeiros.

O sistema de concertação social visa também, através de uma pretensa negociação colectiva, reduzir a eficácia da contratação colectiva, condicionar o seu âmbito, expurgá-la de importantes conquistas pela via dos ditos Acordos de concertação social e evitar a pressão das massas que acompanha a negociação dos contratos colectivos.

A «concertação social institucionalizada», como os seus próprios mentores reconhecem, sobrepõe-se ao papel do Parlamento, aprova medidas que, por anti-constitucionais, requerem a revisão da Constituição, revisão que reclamam seja feita para que as ilegalidades sejam constitucionalizadas.

E não se verificando a deseja revisão da Constituição, ignora-se-a, como o fez reiteradas vezes o governo de Passos Coelho/Paulo Portas.

Os resultados da concertação social obedecem a um princípio inexorável: as medidas a favor do patronato e contra os trabalhadores – degradação dos salários, revisão da legislação laboral, limitação de direitos dos trabalhadores, benesses de vária ordem – são de aplicação imediata e têm no Estado o seu fiel executor.

São igualmente de aplicação imediata os sacrifícios impostos aos trabalhadores: precariedade, perda de direitos, desvalorização da força de trabalho, aumento do horário de trabalho, etc. Quanto aos supostos benefícios para os trabalhadores, depois se vê. A melhoria dos salários, a dita política de rendimentos fica dependente de taxas de inflação estimadas e que nunca se confirmam, a criação de emprego fica dependente da melhoria da competitividade da economia, a eterna justificação para se prosseguir a precarização e a desregulamentação do mercado de trabalho.

A legião de apóstolos das virtualidades da «concertação social» nunca fala dos resultados concretos dos vários Acordos, nem porque é que as grandes questões que se propunham resolver não o foram e se agravam.

Em que é que a imensidão de Acordos, embrulhados em designações de «Acordos sobre a política de rendimentos», «Concertação estratégica», «Pacto de progresso», «Pacto de solidariedade», «Pacto para a competitividade e o emprego», «Pacto para a sustentabilidade da segurança social», etc., melhorou as condições de vida dos trabalhadores, reforçou os seus direitos, resolveu os problemas da economia nacional, criou emprego, tornou mais sólida a Segurança Social?

Os factos são indesmentíveis, a confirmar que, com a política de direita, o país se tornou mais pobre e mais desigual, que se intensificou a exploração, que a segurança social está mais frágil, que a economia não cresce, que o desemprego atingiu números nunca verificados, provando-se que a chamada rigidez do mercado de trabalho como responsável pelo desemprego e a fraca competitividade da economia têm servido de justificação para uma brutal precariedade e desregulamentação das relações laborais.

A participação na «concertação social» deverá ter em conta que dali nada sairá de favorável aos trabalhadores. Isso seria a negação da sua função: servir a reconstituição dos grandes grupos económicos e financeiros, nacionais e internacionais.

A «descoberta» da concertação social pela social-democracia no pós-guerra teve os mesmos objectivos que tem hoje: paralisar a acção reivindicativa de massas, integrar os sindicatos no sistema, numa fase de ascenso do movimento operário.

Era a época do enorme prestígio do socialismo em resultado do papel determinante da URSS para a derrota do nazi-fascismo.

Era a época em que a social-democracia e o capitalismo não podiam ignorar as profundas aspirações democráticas das massas e a sua exigência de que se tomassem sérias medidas contra os monopólios.

Era a época em que se deram significativos avanços em vários países na unidade da classe operária e do movimento sindical.

Mas era também a época da reconstituição do processo de desenvolvimento do capitalismo monopolista de Estado, do domínio do poder político pelo poder económico dos monopólios, do processo de concentração e centralização do capital, assumindo-se a social-democracia como a força mais capaz de assegurar a gestão do capitalismo e conter o desenvolvimento da acção reivindicativa das massas.

Era a época em que, pelo quadro político e pela correlação de forças, e pelos níveis de crescimento das economias nas cidadelas do capitalismo, a social-democracia podia recorrer a políticas reformistas, de concessões aos trabalhadores, sem porem em causa as altas taxas do lucro dos monopólios.

Entretanto, o campo de manobra da social-democracia alterou-se radicalmente. O capitalismo está mergulhado há vários anos numa profunda crise que não pára de se agravar, com sérias consequências para o mundo do trabalho. O desemprego massivo tornou-se crónico.

A receita do capitalismo para vencer a crise é uma e só uma e tem carácter internacional: a desvalorização sistemática do valor da força do trabalho, a criação de um mercado de trabalho completamente desregulado, a liquidação do sistema de Segurança Social, restrições e mesmo liquidação de direitos, incluindo conquistas históricas, como é o caso dos ataques ao horário de trabalho.

Trata-se de, no quadro da divisão internacional do trabalho e da concorrência, «homogenizar» as condições em que se processa a exploração da força de trabalho.

A matriz dos «Pactos sociais» para a Europa, com ajustamentos à realidade de cada país, foi definida em 1985 por Jacques Delors, ex-sindicalista, socialista e porta-voz do grande capital, com o seu «Livro Branco para o crescimento, competitividade e emprego – Pistas para entrar no século XXI».

As orientações do «Livro Branco» – um manual das reivindicações do grande patronato europeu – deveriam levar à criação de 15 milhões de empregos e «assegurar progressivamente e de forma sustentada a melhoria das condições de vida», através de uma receita infalível: concertação social entre governos, patrões e sindicatos, o fim da rigidez do mercado de trabalho, a redução dos altos custos salariais e da Segurança Social, factores que seriam responsáveis pelos elevados níveis do desemprego na Europa.

As orientações do «Livro Branco foram o ponto de partida para uma ofensiva sistemática e generalizada contra as condições de vida, de trabalho e direitos das massas. Os 30 anos desta política levaram a que, em vez de milhões de empregos, tivéssemos mais milhões de desempregados. Em vez de melhores condições de vida, tivéssemos mais miséria. O «Livro Branco» tornou a vida bem negra para milhões de trabalhadores na Europa.

Num quadro de profunda crise, de uma ofensiva sem precedentes contra os trabalhadores – a que, em Portugal, se junta o desmantelamento do sistema de relações laborais que resultou da Revolução, a «concertação social» tem, e não pode deixar de ter, uma natureza cada vez mais reaccionária e atentatória dos interesses e direitos dos trabalhadores. Uma realidade que o movimento sindical de classe não pode deixar de ter em conta na sua actividade e na participação naquele organismo.

Não há nenhuma questão de princípio que determine a participação ou não participação do movimento sindical na «concertação social», questão que deve ser decidida como a CGTP-IN fez, avaliando a situação em cada momento concreto e segundo um princípio irrenunciável: decidir em função do que melhor serve os interesse dos trabalhadores e se reforça ou enfraquece o movimento sindical de classe, instrumento indispensável na luta dos trabalhadores.

Questão de princípio irrenunciável é o dever de naquele organismo, ou fora dele, o movimento sindical fazer a denúncia das políticas lesivas para os trabalhadores, dos conluios da UGT com o patronato e as políticas anti-operárias, de fazer ouvir a voz, as reivindicações e anseios de quem trabalha.

Princípio irrenunciável é também e de forma determinante ter uma participação que não hipoteque a natureza de classe, autónoma, de massas, do movimento sindical

Questão de princípio irrenunciável é a obrigação de compaginar a participação com o desenvolvimento da luta de massas, organizada, combativa e esclarecida, único caminho para o sucesso da luta.

Questão de princípio igualmente irrenunciável é o combate sistemático para subtrair o maior número de trabalhadores à influência ideológica e orgânica dos seus inimigos de classe, de que a UGT é o principal veículo dessa influência e que o será tanto mais como se comprova à medida que se intensifica a ofensiva de direita e se ampliam os seus objectivos.

Na avaliação da natureza da «concertação social», das consequências das orientações e decisões que toma e do que podem os trabalhadores esperar da sua existência, não se pode deixar de ter em conta o papel que a UGT aí desempenha e que determina que a concertação social institucionalizada e governamentalizada seja o que é: instrumento ao serviço dos interesses do patronato e das políticas governamentais que o servem, avalizadas por uma organização sindical supostamente representativa dos trabalhadores.

Nascida do acordo PS/PSD/CDS com o objectivo expresso de ser instrumento do projecto de recuperação capitalista, de fazer reverter as conquistas da Revolução e de divisão do movimento sindical unitário, a UGT traduz no plano social a aliança daqueles partidos e das suas políticas, papel que o actual líder claramente defende quando, conjuntamente com a CIP, se empenha numa solução governativa assente entre o PS e os partidos de direita.

Na pequena história da UGT não se encontram actos de grandeza a favor dos trabalhadores, mas encontra-se um longo historial de servilismo, de baixezas e traições a favor do patronato, na venda de direitos por um prato de lentilhas, ou nem isso.

Em todos os Acordos saídos da «concertação social» lá se encontra a assinatura da UGT, vinculando-a à degradação salarial, à revisão de legislação laboral a favor do patronato, aos ataques à segurança social.

O Acordo de 2012, «Compromisso para o crescimento, competitividade e emprego», acordado com o governo de Passos Coelho/Paulo Portas, para além de frete político à coligação e que esta não se cansou de saudar e agradecer o sentido de responsabilidade e patriotismo da UGT, não levou à concretização de nenhum dos objectivos, mas criou as condições para um dos mais graves ataques às condições de vida e aos direitos dos trabalhadores.

Na história do movimento sindical não se conhece, a não ser durante o fascismo, que uma organização dita sindical tenha ido tão longe no enfeudamento aos interesses do patronato.

A UGT é isto e não será outra coisa que isto, sem que deixe de cumprir a função para que foi criada.

O esclarecimento do que é a UGT, o papel que desempenha na «concertação social», na contratação colectiva, na divisão do movimento sindical, no combate às lutas de massas, em estreita articulação com o patronato e os governos, e até com repressão policial (como aconteceu no 1.º de Maio de 1982), é uma tarefa de primordial importância para se alcançar a unidade dos trabalhadores, reforçar a sua capacidade de luta, e limitar a acção nefasta da UGT.

Um trabalho que se trava não só pela propaganda, mas também e sobretudo por um trabalho dirigido aos trabalhadores que influencia, e que, como os outros trabalhadores, são vítimas das políticas anti-operário aprovadas com a prestimosa colaboração da UGT.

Os trabalhadores e o movimento sindical enfrentam graves problemas e perigosas situações. Há vários anos que se desenvolve uma ofensiva generalizada do capitalismo para ultrapassar a profunda crise em que está mergulhado, recorrendo à intensificação da exploração que, no caso português, se junta a ofensiva para fazer reverter o sistema de relações laborais saído da Revolução de Abril.

Não há concertação social capaz de evitar a luta de classe dos trabalhadores contra os seus exploradores, uma luta que radica na estrutura social.

Como a experiência de todo o movimento operário mostra, os trabalhadores só podem defender os seus interesses, melhorar as suas condições de vida pela luta de massas, organizada, assente num movimento sindical de classe autónomo, profundamente vinculado aos trabalhadores e activo defensor dos seus interesses.

A luta emancipadora dos trabalhadores não pode prescindir deste movimento sindical. Reforçar este instrumento, necessário e indispensável, é tarefa permanente e irrenunciável.

in o Militante Nov./Dez 2015