Considero a saída do Euro uma opção necessária e indispensável para se poder vislumbrar um futuro não ruinoso para o País. Por isso é com agrado que encaro a sua discussão à esquerda. Tal discussão começa finalmente a deixar de ser um tabu. Mas muitos continuam a acentuar essencialmente os custos, e muitas vezes a exagerá-los, omitindo as indiscutíveis vantagens absolutas e as relativas em comparação com a alternativa da permanência no Euro.
Nunca os defensores da saída, em que há muito me incluo, omitiram os custos objectivos associados a essa opção, ao mesmo tempo que mostraram que os benefícios são largamente superiores e que, mais cedo ou mais tarde, a saída se apresentará como uma inevitabilidade.
Por isso se me impõe voltar ao tema.
Razões para a saída do Euro
1- É necessário ter consciência de que a saída do Euro é, também, uma questão política, o que por vezes parece afastado das análises.
Porque sem soberania monetária não há efectiva soberania nacional e democrática, como a experiência tem demonstrado. A sujeição de Portugal à zona Euro não deixa qualquer margem de manobra para podermos decidir livremente — designadamente em matéria orçamental, financeira, de projecto de desenvolvimento económico e social.
Se olharmos com atenção para o que se tem passado desde a criação da zona Euro, verifica-se que em resultado das regras, orientações e políticas dimanadas do seu directório e impostas aos Estados-membros, os países periféricos estão submetidos a uma dinâmica colonial: 1) acentuaram-se as divergências reais entre os Estados-membros tal como se acelerou a desindustrialização dos países periféricos em benefício dos países do centro; 2) reforçou-se a posição destes, a metrópole colonizadora, como exportadores de bens de equipamento e de consumo de maior valor acrescentado e como importadores da procura interna e dos baixos salários dos países periféricos, as colónias; 3) subjugaram-se os periféricos à eterna servidão da dívida e ao subdesenvolvimento relativo; e 4) reduziu-se a própria democracia política na perspectiva de os povos e países poderem definir o seu futuro e decidirem livremente as suas opções.
Ainda nesta perspectiva política, importa ter presente que o Euro é o instrumento essencial do neoliberalismo em que estamos atolados. Com o neoliberalismo, não há nem pode haver horizonte de progresso social, pois ele visa a redução dos custos do trabalho e o aumento da acumulação de capital. O capital financeiro que o comanda considera o trabalho como uma mera mercadoria sem qualquer dignidade e faz recair sobre os salários e o emprego todos os custos de ajustamentos a choques económicos, tendo por desígnio aumentar o “exército de reserva”, reduzir direitos laborais e travar o crescimento dos salários, em benefício das oligarquias financeiras.
Isto significa que só com a libertação do jugo do Euro será possível implementar uma efectiva alternativa de esquerda. Sob a ditadura do Euro, objectivamente, a “alternativa” cinge-se a um pouco mais de sensibilidade social na governação. Mas não permite a implementação de uma política macroeconómica de ruptura com o neoliberalismo, de desenvolvimento, de progresso social, de valorização do trabalho e dos trabalhadores.
2- Por outro lado, nas perspectivas económica, financeira e social, a saída do Euro com a subsequente desvalorização da nova moeda permite recuperar a competitividade indispensável para sustentar o necessário aumento da produção nacional e das exportações e a redução das importações e do desemprego; eliminar a pressão que o Euro exerce sobre os salários, a precariedade do emprego e o Estado social; viabilizar uma política macroeconómica que assuma como prioridades o desenvolvimento e o bem-estar dos cidadãos; e contribuir de forma significativa para a redução real da dívida externa pois ela é maioritariamente emitida de acordo com a legislação nacional e, por isso, pode ser redenominada na nova moeda.
Acresce que a recuperação da soberania monetária permite o financiamento (em termos adequados) da dívida pública com recurso ao Banco de Portugal, eliminando a obrigatoriedade do Estado se financiar exclusivamente nos mercados financeiros com os consequentes efeitos de imposição da redução da despesa pública e a decorrente pressão em baixa sobre a procura agregada. Isto para além dos enormes efeitos negativos sobre a redistribuição do rendimento e a prestação de serviços públicos.
As “alternativas” que se ficam pela renegociação e consequente reestruturação da dívida e pela ruptura com o Tratado Orçamental, que se impõem e aliviam os constrangimentos que pesam sobre a economia e a população, são insuficientes e transitórias uma vez que não resolvem dois problemas de fundo e centrais:
– a necessidade de ruptura com o neoliberalismo, pois a admissão de que é possível uma alternativa ao neoliberalismo no quadro institucional da zona Euro é um erro tão crasso como o da criação da moeda única; e
– o aumento da competitividade capaz de gerar condições para o crescimento e o desenvolvimento, pois continuaríamos a ter uma taxa de câmbio sobrevalorizada, implicando défices e dívida externos permanentes e elevados, taxas de crescimento irrelevantes ou recessão, desemprego elevado, níveis de vida cada vez mais baixos.
Se todos estamos de acordo com a prioridade do aumento da produção, do crescimento, é necessário criar as condições objectivas e essenciais para que ele possa ocorrer.
Em suma, só a saída do Euro e a criação da nova moeda é passível de se inserir – e dela ser um instrumento essencial – num projecto de política macroeconómica de ruptura com o neoliberalismo, de reindustrialização do país, de defesa e aprofundamento do Estado-social, de aumento do emprego e de valorização do trabalho e dos salários reais.
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