Nota prévia

Publicado inicialmente nesta  página, em Junho de 2010, tornou-se texto de referência sobre os rios de Arouca.

O estado de abandono absoluto então existente agravou-se até ao presente, sendo excepção a intervenção em curso, através da construção de ciclovia junto a troço do rio Arda, sem que vertentes fundamentais se mostrem asseguradas e a que acrescerão , no futuro, os custos de manutenção, considerando as toneladas de madeira  utilizadas na execução do respectivo projecto.

Outro rumo teria sido possível, tivesse existido vontade política, que o próprio texto considerava como condição necessária.

Que a presente republicação possa contribuir para a reflexão, por parte de todos os arouquenses, que a  situação actual reclama.

Arouca, 24/06/2021

Os Rios de Arouca

.Não há cartaz ou panfleto que sirva de cartão-de-visita ao concelho que não lhe enalteça, de forma muitas vezes descarada, as potencialidades naturais. E a ladainha é sempre a mesma: a Serras, os Rios, a Paisagem, os Vales Verdejantes… estas e outras loas que se destinam a captar a atenção do visitante incauto que tantas vezes sai defraudado de tanta e tamanha magnificência propagandística.

rio-paivo

O estado dos nossos Rios

1. O PAIVA:

Tantas vezes considerado na literatura municipal um dos rios menos poluídos da Europa,   puro e cristalino, com pêgos de águas serenas e rápidos tumultuosos que têm atraído ao concelho os amantes dos desportos radicais, tem, actualmente, índices elevados de poluição. Na Geografia Sentimental já Aquilino Ribeiro se lhe referia nestes termos: «Cristalino e mimoso das mais saborosas trutas que há no mundo, lá vai seguindo a sua derrota, à semelhança de tudo o que existe debaixo da roda do sol, ora manso, não te rales, ora iroso e cachoando em açudes e leixões.»

As constantes descargas das ETARs  de Vila Nova do Paiva e Castro Daire, irresponsáveis e criminosas, são a prova acabada do desleixo a que o poder central e local votaram esta filigrana que só a natureza é capaz de fabricar.

Como se tal não bastasse a avidez de alguns empresários oportunistas, mixordeiros das águas e dos ventos travestidos de modernos ecologistas, apresentaram na CCDR-Norte um projecto de construção de uma mini-hídrica, a instalar junto à praia fluvial do Areinho, em Alvarenga, prevendo o desvio do caudal, através de uma conduta subterrânea numa extensão de vários quilómetros, até à praia fluvial do Vau, em Canelas, onde seria instalada a turbina. Sem se importarem, obviamente, com a morte do rio nesse troço entre a mini-hídrica e a turbina e com as consequências ambientais desastrosas para jusante da turbina até à sua foz, uma vez que o caudal do rio seria drasticamente alterado com períodos de enchente correspondentes às descargas e períodos em que o leito ficaria literalmente seco, correspondentes ao fecho das comportas para enchimento da albufeira.

Felizmente algumas associações locais, conjuntamente com a população alvoraçada e o poder municipal a reboque, conseguiram impedir mais este desastre ambiental.

O que se não tem impedido é a florestação indiscriminada e desenfreada das suas margens e encostas com espécies infestantes importadas, sobretudo o eucalipto, em vez da flora ribeirinha como o freixo, o salgueiro e o amieiro.

Com este panorama de nada valem as Sinfonias à Água recentemente dedilhadas junto à praia fluvial de Meitriz, E, a propósito de praias fluviais (Meitriz, Paradinha, Areinho, Cabranca…) os equipamentos construídos, caros mas até bem enquadrados, encontram-se ao abandono, sem manutenção eficaz a que se junta uma deficiente recolha de lixos.

Por fim a pesca indiscriminada, sem qualquer fiscalização, e tantas vezes utilizando meios ilegais, aliada à poluição, tem dizimado a fauna ribeirinha, em especial a boga e a truta fario.

2. O ARDA:

É uma cloaca a céu aberto. A começar na vila de Arouca, mesmo no seu centro, onde o cheiro a esgoto desperta as narinas mais insensíveis, até à sua foz, todo o panorama é desastroso.   Toneladas de lixo acumuladas ao longo dos anos, esgotos que drenam directamente no seu leito, uma ETAR com décadas de existência, situada na Pimenta, em Sta. Eulália, que emite um cheiro nauseabundo e sem capacidade para tratar os efluentes, e as sucessivas promessas de resolução destes problemas por parte do poder autárquico e de algumas forças políticas (Partido Socialista e Unidos Por Arouca) que nunca passaram de intenções.

O saneamento começa agora a dar os primeiros passos, mas até que esteja em funcionamento e sejam feitas todas as ligações à rede, o Arda há-de continuar a morrer. A prová-lo está o completo desaparecimento de espécies que só se adaptam e sobrevivem em águas límpidas e batidas, como a truta fario, outrora tão abundante.

E continua, ainda e sempre a adiar-se uma solução definitiva para o grande cancro do rio Arda: a selagem da antiga lixeira do Gamarão  e o tratamento dos seus escorrimentos.

3. O CAIMA:

O Caima que se despenha da Frecha da Mizarela e que os Fidalgotes do Porto não conseguiram encanar, vai definhando também. Os esgotos, um simulacro de ETAR,   há anos abandonada e que não funciona, o lixo acumulado sobretudo nos meses de Verão, a utilização intensiva e desregrada por banhistas e turistas de garrafão, o abandono, a falta de manutenção e consequente degradação dos equipamentos de lazer, a pesca ilegal exercida sem regras, vão degradando, a olhos vistos, este ecossistema tão frágil do planalto da Freita.

4. O ARDENA:

É afluente do Paiva, no qual desagua no lugar da Espiunca. O exemplo do que era um dos melhores e mais belos rios salmonídeos deste país, com uma fauna variada e riquíssima e uma flora exuberante; tudo isto foi destruído pela mão criminosa do homem, associada à rapinice e ao lucro fácil.

A construção da chamada mini-hidrica, construída nos limites do lugar de Nespereira desviou, através de uma conduta com vários quilómetros de extensão, todo o caudal do rio até à turbina de produção eléctrica, que se situa a poucas dezenas de metros da sua foz. Em todo este percurso de vários quilómetros desapareceu água do rio e este morreu literalmente.

Com a construção da mini-hídrica não se gerou riqueza no concelho, não se criou um único posto de trabalho, nem a energia eléctrica, que é vendida à EDP pela empresa exploradora, é mais barata junto do consumidor. Existe sim uma empresa, a Hidrocentrais Reunidas, que usurpou um recurso que era de todos em benefício próprio. E que não cumpre sequer aquilo a que está obrigada: a manutenção de um caudal mínimo, ironicamente designado de caudal ecológico que, supostamente se destinaria a manter, minimamente vivo, o ecossistema. Mas como a legislação que regulamenta esse caudal atribui à entidade promotora a sua manutenção e monitorização está tudo dito. De nada tem valido as sucessivas e constantes denúncias junto da CCDR-Norte, Agência Portuguesa do Ambiente e Inspecção Geral do Ambiente. E, por cá o poder autárquico, Câmara e Junta de Freguesia, assobiam para o lado.

5. O URTIGOSA:

Nascido nas faldas da Serra da Freita e afluente do Arda, onde desagua na freguesia de Rôssas é, talvez, um dos melhores exemplos de alguma coisa que tem sido feita em prol dos rios em Arouca e neste país. Ordenamento, regulamentação, acções de limpeza regulares, sensibilização, acções de repovoamento com trutas fario, monitorização da qualidade da água e das espécies, fiscalização (é, talvez, o único rio do país onde existe um Polícia Florestal Auxiliar), Zonas de Protecção e de Abrigo, Concessão de Pesca Desportiva e, sobretudo, a adesão dos pescadores que, mais do que pescar ajudam a preservar, e da população em geral.

6. O RIO DE MOLDES:

É afluente do Paivó, onde desagua no lugar de Ponte de Telhe. Com condições óptimas (um caudal regular, águas rebatidas, frias e profundas e uma vegetação ribeirinha rica e variada) outrora rico em salmonídeos, a pesca desregrada e tantas vezes criminosa, quase exterminou a espécie.

Actualmente o lixo vai-se fazendo notar, com regularidade, no leito e nas margens e o problema dos esgotos continua ainda por solucionar, apesar da construção da ETAR.

7. RIO PAIVÓ E RIO DE FRADES

O Paivó e o Rio de Frades que desagua no primeiro nas proximidades de Bouceguedim, são sem receio de exagerar, os rios de águas mais puras e cristalinas, com uma paisagem envolvente monumental, sobretudo à medida que se caminha para a nascente.

Por ser assim, o Paivó foi, recentemente, alvo de uma tentativa para construção de uma mini-hídrica, mais uma vez por parte de uma empresa privada pronta em explorar, em benefício próprio, um património que é de todos. Felizmente a acção conjunta de algumas associações, a forte contestação popular, com destaque para as gentes da  Ponte de Telhe, e a oposição do poder político municipal (a reboque mas que se mostrou à altura da situação) conseguiu, para já, que o nosso concelho fosse bafejado com mais este contributo do progresso.

Por ser de tal importância para o concelho, por constituir um ecossistema impar neste país, para os rios Paivó e Frades é urgente e imperioso levar a cabo um projecto de ordenamento que se apresenta em linhas gerais:

“Rio Paivó: Recuperação; Preservação e Dinamização”

Introdução:

O presente projecto visa inverter o estado de degradação do património natural – construído ribeirinho do rio Paivó, levando a Câmara Municipal de Arouca a assumir a gestão directa deste património.

Objectivos:

  • Promover a recuperação da fauna ribeirinha autóctone, nomeadamente a Truta Fário;
  • Promover a recuperação, a preservação e defesa das espécies vegetais ribeirinhas autóctones;
  • Promover a recuperação do património arquitectónico das aldeias ribeirinhas em termos tradicionais;
  • Promover a recuperação do património arquitectónico ribeirinho (moinhos; açudes);
  • Impedir a construção de infra-estruturas prejudiciais ao equilíbrio do ecossistema ribeirinho, nomeadamente as mini-hídricas;
  • Promover a criação de um Parque Fluviário;
  • Integrar o presente projecto no Geoparque Arouca.

Acções no terreno:

  • Monitorização e reflorestação das margens do rio com espécies autóctones;
  • Monitorização e reposição da fauna autóctone, nomeadamente da Truta Fário através de, se necessário, eventuais repovoamentos;
  • Recuperação, dinamização e abertura ao público dos moinhos tradicionais;
  • Recuperação dos açudes de derivação e dos canais de regadio de acesso aos moinhos;
  • Acções periódicas de limpeza e remoção de lixos;
  • Acções de sensibilização das populações (palestras; exposições; publicações …);
  • Criação de uma Zona de Abrigo em toda a extensão do rio, da nascente à foz, por um período mínimo de três (3) anos;
  • Criação de uma Concessão de Pesca Desportiva, a entrar em vigor findo o período de vigência da Zona de Abrigo e que deverá incluir:
  1. Regulamento próprio que preveja lotes de pesca, zonas interditas à pesca para reprodução e preservação e zonas de pesca sem morte;
  2. Criação da figura de Polícia Florestal Auxiliar que exerça a fiscalização diária, durante todo o ano;
  3. Criação de três (3) Abrigos de Montanha (recuperação ou construção de raiz de 3, três, habitações) para arrendar a visitantes, pescadores ou não, mediante os períodos e quantias a estipular. Esses Abrigos deverão ficar situados próximo do rio (exemplos: Ponte de Telhe; Bouceguedim; Covêlo de Paivó…);
  4. Colocação de sinalética de informação / sensibilização ao longo do rio, nomeadamente nos locais de mais fácil acesso:
  5. Criação do Parque Fluviário – um espaço de lazer e de visita, que deverá englobar uma maternidade para Truta Fário, na proximidade do rio e, se possível, próximo de um povoado ribeirinho – onde o visitante possa visualizar as espécies ribeirinhas ao vivo e exposições temáticas permanentes. Pressupõe a recuperação ou construção de um edifício adequado;
  6. Impedir a construção de infra-estruturas, nomeadamente mini-hídricas, cujas consequências inviabilizariam o projecto devido aos efeitos extremamente negativos que têm no caudal do rio e nos ecossistemas.

Recursos:

  1. Financeiros: as verbas necessárias à realização do projecto;
  2. Humanos: um Polícia Florestal Auxiliar permanente e  os necessários à manutenção das estruturas (Parque Fluviário; Abrigos de Montanha; limpezas periódicas …);
  3. Motorizados: um veículo todo-o-terreno para a deslocação do Polícia Florestal Auxiliar.

Conclusão:

Projectos deste género têm sido desenvolvidos noutros concelhos deste país, Mora e Paredes de Coura, com impactos significativos a nível económico e social, além de se revelarem como instrumentos fundamentais no combate à desertificação humana.

Finalmente, a sua concretização deverá ser faseada, apontando-se para o médio prazo.

8. OUTROS CURSOS DE ÁGUA, DE MENOS ENVERGADURA, MAS NÃO MENOS IMPORTANTES NOMEADAMENTE EM TERMOS DE ECOSSISTEMA DEVERIAM MERECER NÃO MENOS ATENÇÃO:

  • O Lameira Branca, afluente do Arda onde desagua nas proximidades de Folgosinho e que tanta atenção mereceu do saudoso Engº Peixoto Correia ligado aos Serviços Florestais  e à Estação Aquícola de Vila do Conde, que tantos anos dinamizou e que hoje está quase ao abandono. O Engº Peixoto Correia foi um dos apaixonados dos Rios deste  país e, em especial dos Rios de Arouca, e que por eles tanto fez, nomeadamente em termos de repovoamentos e monitorização. Hoje, com o abandono da agricultura está convertido num imenso silvado, rodeado de acácias e de eucaliptos.
  • O Bogalheta, afluente do Arda onde desagua na Ponte da Ribeira, freguesia de Tropeço, outrora um verdadeiro viveiro natural, onde as espécies ribeirinhas (a boga e a truta fario) encontravam um refúgio privilegiado para a desova, hoje, tal como o Lameira Branca e pelas mesmas razões, esta transformado numa brenha.

O que há a fazer

  • Implementar uma política de ordenamento florestal junto às linhas de água, proibindo expressamente a plantação de espécies infestantes como as acácias e os eucaliptos, numa distância razoável;
  • Implementar uma politica de florestação com espécies ribeirinhas autóctones como o salgueiro, o amieiro, o freixo, o carvalho português …
  • Implementar uma política de repovoamento, essencialmente com trutas fario, devidamente controlada e monitorizada;
  • Regulamentação da pesca, estabelecendo a pesca com regras, com uma fiscalização apertada, com o objectivo último da manutenção e preservação das espécies. A sua concretização terá que ser o ordenamento com a criação de Zonas de Abrigo ou de Defeso e concessões de Pesca Desportiva (e estas poderão incluir várias técnicas de pesca não sendo de excluir a pesca sem morte) devidamente regulamentadas e fiscalizadas;
  • Conclusão do saneamento básico e tratamento eficaz de todos os efluentes (domésticos e industriais);
  • Identificar e selar esgotos ilegais;
  • Promover acções de informação e sensibilização da população;
  • Colocar, no terreno, uma acção de fiscalização eficaz (é necessária a existência de, pelo menos, dois Polícias Florestais Auxiliares com a formação adequada, e dotados dos meios técnicos e materiais necessários);
  • Promover e apoiar a recuperação de algum património ribeirinho como açudes e respectivos regadios, moinhos de água …a incluir em eventuais percursos e locais de visita privilegiados;
  • Levar a cabo uma acção intermunicipal concertada de protecção e defesa dos rios interconcelhios;
  • Impedir a construção das célebres e tão contestadas mini-hidricas cujo único objectivo é a apropriação privada de um recurso que é de todos sem que daí resulte beneficio algum para as populações e para o concelho.

O que é necessário:

  • Amar os rios e os seus ecossistemas, o que não é fácil pois não se impõe por decreto;
  • Dar valor aquilo que de mais simples, frágil e belo existe na Natureza;
  • Vontade política;
  • Alguns recursos financeiros; em relação a estes que não se diga que são escassos ou não existem. É tão simplesmente uma questão de opção e de uma boa gestão de recursos financeiros. Já agora quanto custou a avenida de muito mau gosto, tipo “Estado-Novo” e que destruiu um dos espaços verdes mais atraentes da vila de Arouca, em frente ao Palácio da Justiça?
  • Integrar estas iniciativas no GeoparqueArouca para que este não se transforme cada vez mais numa coisa banal, de eventos dispersos, desencontrados, sem uma linha de rumo e, muitos deles, de puro folclore. Salva-o o honroso exemplo das trilobites de Canelas, sem as quais não haveria Geoparque algum.

Rossas, 20 de Setembro de 2009