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A Con­fe­rência das Na­ções Unidas para a Bi­o­di­ver­si­dade de­correu em De­zembro do ano pas­sado, pre­si­dida pela China e re­a­li­zada no Ca­nadá. Par­ti­ci­param re­pre­sen­tantes de 188 países, que subs­cre­veram a Es­tra­tégia Global para a Bi­o­di­ver­si­dade de Kun­ming-Mon­treal, com o ob­jec­tivo de travar e re­verter a perda de bi­o­di­ver­si­dade, até à res­tau­ração dos ecos­sis­temas, es­ta­be­le­cendo como ob­jec­tivo pro­teger 30% do pla­neta e 30% dos ecos­sis­temas de­gra­dados até 2030.

Os nú­meros são pre­o­cu­pantes, apon­tando para um mi­lhão de es­pé­cies de plantas e ani­mais ame­a­çados de ex­tinção, e re­querem acção. Em Por­tugal, em 2021, o Con­selho Na­ci­onal do Am­bi­ente e do De­sen­vol­vi­mento Sus­ten­tável apon­tava para uma si­tu­ação pre­o­cu­pante: «de entre os ha­bi­tats com es­ta­tuto co­nhe­cido, 75% en­con­trava-se em es­tado mau ou des­fa­vo­rável» e «de entre as es­pé­cies com es­ta­tuto co­nhe­cido, 62% en­con­trava-se em es­tado mau ou des­fa­vo­rável».

O PCP tem aler­tado para a pro­gres­siva des­res­pon­sa­bi­li­zação do Es­tado na área do am­bi­ente. O Ins­ti­tuto da Con­ser­vação da Na­tu­reza e da Flo­resta (ICNF) tem vindo a ser alvo de uma po­lí­tica de de­sar­ti­cu­lação. A par­cela de­di­cada à con­ser­vação da na­tu­reza e a bi­o­di­ver­si­dade ron­dava os 0,6% de todo o or­ça­mento que tu­tela o am­bi­ente e não ul­tra­pas­sava os 3% do fundo am­bi­ental. A gestão das áreas pro­te­gidas foi su­jeita a um pro­cesso de con­cen­tração que a afastou do ter­ri­tório, faltam meios hu­manos e ma­te­riais, mas também faltam ac­ções de gestão ac­tiva do ter­ri­tório, com planos de re­cu­pe­ração ou ma­nu­tenção de ha­bi­tats e es­pé­cies.

Têm sido re­cor­rentes as no­tí­cias de cons­ti­tuição de áreas pro­te­gidas de gestão pri­vada, al­gumas que pre­tendem re­correr ao mer­cado de car­bono como forma de fi­nan­ci­a­mento, o que não pode deixar de ser visto como ten­ta­tivas de le­gi­timar a ideia de pri­va­ti­zação da­quilo que de­veria ser uma ta­refa fun­da­mental do Es­tado e po­derá ter con­sequên­cias pela su­jeição da pre­ser­vação dos ha­bi­tats à ló­gica, às flu­tu­a­ções e às que­bras dos mer­cados.

A ofen­siva ide­o­ló­gica na área do am­bi­ente tem as mais di­versas ex­pres­sões e, como temos vindo a de­nun­ciar, as po­lí­ticas e ac­ções no âm­bito da de­fesa da bi­o­di­ver­si­dade não são ex­cepção. Num re­la­tório de 2021 do Tri­bunal de Contas, sobre uma au­di­toria às Áreas Pro­te­gidas, estão pre­sentes al­guns ele­mentos pre­o­cu­pantes. Dá como exemplo a se­guir ex­pe­ri­ên­cias que re­fletem vi­sões de apli­cação do ca­pi­ta­lismo à Na­tu­reza como me­ca­nismos «de va­lo­ração eco­nó­mica de al­guns ser­viços dos ecos­sis­temas (…), com o en­vol­vi­mento de sta­kehol­ders pú­blicos e pri­vados lo­cais», apesar de ad­mitir que «não se en­con­tram ainda con­so­li­dadas me­to­do­lo­gias para in­te­gração desse valor nos sis­temas de contas na­ci­o­nais» e o alar­ga­mento da cha­mada «fis­ca­li­dade verde».

No mesmo re­la­tório, o Tri­bunal de Contas ad­mite falta de re­cursos hu­manos e de­clara que não está de­fi­nido e im­ple­men­tado um sis­tema para mo­ni­to­ri­zação da bi­o­di­ver­si­dade com in­di­ca­dores para ava­liar o grau de con­cre­ti­zação das po­lí­ticas de con­ser­vação da na­tu­reza e da bi­o­di­ver­si­dade. Também la­menta que «vá­rias en­ti­dades res­pon­sá­veis pelas áreas pro­te­gidas do Con­ti­nente não dis­põem de es­tra­té­gias para im­ple­men­tação de con­ces­sões nem têm pre­vistas zonas com po­ten­cial para ser ob­jeto de con­cessão ou es­tudos de vi­a­bi­li­dade de gestão e/​ou ex­plo­ração sus­ten­tável dos re­cursos na­tu­rais pú­blicos das áreas pro­te­gidas pelo sector pri­vado».

Este la­mento não pode deixar de ser visto como um apelo/​in­cen­tivo a uma linha pri­va­ti­za­dora, mas também uma cla­ri­fi­cação de que o ob­jec­tivo é o en­ca­mi­nha­mento para opor­tu­ni­dades de ne­gócio e não para re­solver os pro­blemas am­bi­en­tais, con­fir­mando que a des­res­pon­sa­bi­li­zação do Es­tado, o afas­ta­mento das es­tru­turas pú­blicas do ter­reno, assim como o de­sin­ves­ti­mento têm vindo a abrir es­paço aos pri­vados também na área am­bi­ental.

A isto há que res­ponder com luta rei­vin­di­cando po­lí­ticas de pro­moção do equi­lí­brio entre a ac­ti­vi­dade hu­mana e o ecos­sis­tema e não me­ca­nismos para re­servar áreas e pro­cessos na­tu­rais para apro­pri­ação por parte de in­te­resses pri­vados.

“Avante!”, 19 de Janeiro de 2023