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Horas antes do F.C. Arouca – U. Madeira, jogo decisivo para a subida à I Liga da primeira equipa, a Câmara Municipal de Arouca publicava, via Internet, o seu projecto de remodelação do Estádio Municipal.

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Em bom rigor, trata-se do esquisso sobre a actual infra-estrutura, agora disposta em figura de U, onde se acrescentam duas bancadas, uma a norte e outra a poente, ligadas por um passadiço aéreo e – pasme-se! – uma pista em tartan (com 4(???) corredores). O sui generis deste projecto, é a instalação parcial da pista dentro do recinto desportivo, já que uma curva entretanto, passando por detrás da nova bancada, perde-se de vistas.

Ainda este projecto tinha a tinha a tinta fresca e a equipa arouquense, no mesmo relvado municipal de sempre, vencia os madeirenses por 3 – 0, subindo assim à I Liga nacional, perante alguns milhares de pessoas, na bancada, e alguns milhões, na tela da televisão.

De um lado, a Câmara Municipal de Arouca, agora capitaneada por Artur Neves, autora de algumas das maiores aberrações arouquenses: o dito estádio municipal, a remodelação da Praça Brandão de Vasconcelos, o novo prédio em construção (junto à Academia de Música), as diversas construções sobre linhas de água, etc. . . , etc. . . .

Do outro, o Futebol Clube de Arouca, marca de sucesso e embaixador maior desta terra e deste povo, ao elevar o seu estatuto, desportivo e mediático, ao escalão maior do futebol nacional.

O «capitão» da Câmara, Artur Neves, que quer estar vivo politicamente, para chegar também ao «topo do mundo» e às «estrelas» (estas expressões são dele), vai à porta do balneário do FC Arouca, onde a rapaziada está a tomar o duche, a enfiar a camisola, a fazer o laço no atacador, e põe lá, a sangue, a cruz da lepra: pela ala direita, a arquitectura, pela ala esquerda, a engenharia.  

E o Desporto, que neste concelho de 22 mil habitantes (como neste País de 10 milhões de Portugueses) é, inegavelmente, sociologia, política, fica, assim, condenado às obras de Artur Neves.

À sua gestão populista.

Só que este populismo, desta vez, é errado, é cómico, é perigoso.

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É errado porque Artur Neves é presidente da câmara e o Desporto é um largo sector da realidade que ele deve pensar. Ora, este projecto é um enorme erro desportivo: no Futebol, coloca público e bancadas longe do relvado. O que, para as equipas visitantes, representa, não o inferno de um jogo fora, mas o convite para um descansado passeio turístico a Arouca. No Atletismo, porque esbanja uma pipa de dinheiros públicos numa pista inútil, quando com o mesmo investimento se poderia instalar, em terrenos anexos, uma nova infraestrutura para a prática daquela modalidade. Não lhe faltam exemplos por aí. Um deles até aqui bem perto – o Complexo de Lourosa (outdoor).

É cómico porque é um erro que se faz petulância, uma ignorância que se faz título de honra. É que, em nenhuma parte do mundo, se viu um estádio feito assim. Imagino a estupefacção do profº Moniz Pereira ou dos dirigentes da Federação Portuguesa de Atletismo ou até do nosso atleta Isaac Rios vendo uma pista com este tipo de condições. Já para não falar dos milhões de espectadores que, amanhã, assistindo aos jogos de futebol do FC Arouca, via TV, se espantarão com este estádio tão estranhamente anedótico.     

É perigoso porque devendo ser, como presidente de câmara, homem exemplar, ele oficializa, perante o País, e em nome da terra e dos habitantes que representa, uma anedota arquitectónica.

A presidência da câmara é um cargo político, não é um alibi para impor aos outros o gosto pessoal dos que por lá passam.

Mas, hèlas, embora Artur Neves tenha direito a fazer engenharia e arquitectura, embora, como principal responsável autárquico que tem de ser, passe em branco sobre o Desporto, sobre essa força, essa dinâmica, esse fenómeno social, económico, histórico, a verdade é que há outros que não o seguem.

É verdade – o futebol não é apenas um desporto saudável e está a ser monstruosamente dilatado. É verdade – a engenharia e a arquitectura não são profissões inofensivas e têm os contratos racionados, sobretudo com o modelo de contratualização em vigor desde os governos de Sócrates. No futebol, inaugura-se. Na engenharia e na arquitectura, empareda-se. Mas esse direito do presidente da câmara em mostrar obra não justifica projecto tão ridículo.

Pelo contrário, esse direito exige de qualquer autarca, como de qualquer engenheiro ou arquitecto, a atenção, a análise, a polémica. O habitual argumentário de Artur Neves de que «gostos não se discutem», quando lhe confrontam custos, prioridades, utilidades e funcionalidades das suas empreitadas, não é lúcida, não é eficaz, não é profissional.

É que o futebol não é só o jogador, a relva, o estádio, a quota, a sede, a direcção, a assembleia geral.

 É que o Atletismo não é só o corredor, o tartan azul e umas quantas corridinhas à volta de uma pista.

O Desporto é também, e sobretudo, aqueles que o vão ver, a sua participação, o seu entusiasmo, a sua mobilização, o seu apoio. Ou seja, quase todos.

Ignorar ou surrealizar o Desporto não é, apenas, ignorar ou ridicularizar um acontecimento fortíssimo. É ignorar e ridicularizar aqueles que lhe dão essa força. Aqueles que, pelo menos, acreditam nessa força. Essa mesma força que conduziu o FC Arouca até à I Liga.

Só quem não acredita nessa força é que procede como Artur Neves: faz colar à estrondosa vitória de um Pinho,  uma obra de Pirro!

Álvaro Couto

Arouca, 19 de Fevereiro de 2013

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