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A Edu­cação Fí­sica é obri­ga­tória no 1.º ciclo, mas nor­mal­mente não é cum­prida

Toda a po­pu­lação por­tu­guesa sabe, de uma ma­neira mais ou menos clara, que a edu­cação atra­vessa no mo­mento pre­sente, uma grave e com­plexa crise. Crise que já vem de longe no tempo, mas que as­sume agora uma outra gra­vi­dade, porque é a pró­pria es­cola pú­blica que é posta em causa, acu­sada de não ser capaz de res­ponder às ne­ces­si­dades do de­sen­vol­vi­mento ac­tual e aos de­sa­fios do fu­turo.

Esta crise in­tegra uma vasta quan­ti­dade de pro­blemas não re­sol­vidos, sis­te­ma­ti­ca­mente adi­ados ao longo de dé­cadas, ou então pro­fun­da­mente des­va­lo­ri­zados na sua im­por­tância para o pro­cesso for­ma­tivo das cri­anças e dos jo­vens que fre­quentam as es­colas.

Caso sin­gular, porque nele se di­gladia aquilo que é afir­mado como es­sen­cial para o de­sen­vol­vi­mento dos alunos e a sua con­cre­ti­zação, de­pen­dendo de de­ci­sões po­lí­ticas de quem tem go­ver­nado o sis­tema edu­ca­tivo, diz res­peito à Edu­cação Fí­sica como dis­ci­plina es­colar no 1.º Ciclo do En­sino Bá­sico (CEB).

No pre­sente, já não é pos­sível ex­pressar qual­quer dú­vida sobre a im­por­tância que esta dis­ci­plina es­colar tem para os alunos, em termos de saúde e bem estar, do seu aper­fei­ço­a­mento motor, do de­sen­vol­vi­mento in­te­lec­tual e da in­te­gração so­cial de acordo com a aqui­sição de va­lores fun­da­men­tais para a es­tru­tu­ração da ci­da­dania e a vida de­mo­crá­tica do País. Trata-se de um con­senso que se ba­seia num nú­mero muito sig­ni­fi­ca­tivo de ex­pe­ri­ên­cias de ca­rácter ci­en­tí­fico in­dis­cu­tível, à es­cala mun­dial.

Con­tudo, um in­di­víduo mi­ni­ma­mente es­cla­re­cido em termos cul­tu­rais, recém che­gado ao País, pasma de es­panto ao saber que esta dis­ci­plina de facto não é con­cre­ti­zada na grande mai­oria das es­colas e os an­tigos jar­dins de in­fância, fre­quen­tadas pelas cri­anças dos três aos nove anos. No en­tanto, con­si­dera-se este mo­mento cro­no­ló­gico da vida in­fantil como es­sen­cial para a aqui­sição da­queles va­lores, de aper­fei­ço­a­mento motor e cri­ação de há­bitos de vida ac­tiva. Mal ele sabe que esta ac­ti­vi­dade es­colar está ple­na­mente le­gis­lada como obri­ga­tória neste nível de en­sino para todas as es­colas desde há muito tempo, pos­suindo um Pro­grama Ofi­cial a ser se­guido pelos pro­fes­sores. To­davia, nada disto é con­cre­ti­zado, com raras ex­cep­ções e muito es­forço da parte de al­guns pro­fes­sores.

Em termos ge­né­ricos, para a grande mai­oria dos alunos das es­colas do 1.º CEB, a Edu­cação Fí­sica não existe. Mas de­verá passar a existir o quanto antes, pois está em jogo a qua­li­dade da sua vida no pre­sente e no fu­turo.

Al­guns apontam so­lu­ções ime­di­a­tistas e algo es­tra­nhas, para re­solver o pro­blema. Al­gumas delas já vindo de um pas­sado lon­gínquo, sem terem dado qual­quer re­sul­tado pal­pável ao longo de dé­cadas.

Que fazer?

Mas então o que de­verá ser feito?

Em pri­meiro lugar, tomar cons­ci­ência plena da gra­vi­dade da si­tu­ação e da com­ple­xi­dade de a re­solver de­vido ao pre­do­mínio de con­cep­ções al­ta­mente re­pro­vá­veis em termos po­lí­ticos, eco­nó­micos, cul­tu­rais e pe­da­gó­gicos.

Em se­gundo lugar, é in­dis­pen­sável tomar cons­ci­ência de que só um pro­jecto de­vi­da­mente or­ga­ni­zado, pro­mo­vendo a in­te­gração de es­forços de di­fe­rentes en­ti­dades, es­pe­ci­al­mente dos mi­nis­té­rios da Edu­cação e da Saúde, jun­ta­mente com as au­tar­quias lo­cais, é que po­derão re­solver certos pro­blemas cru­ciais. Por exemplo, o da me­lhoria das con­di­ções de es­paço, que deve passar pelo equi­pa­mento dos re­creios, mas fun­da­men­tal­mente em dotar cada es­cola de um es­paço co­berto de­vi­da­mente iso­lado contra as in­tem­pé­ries (é in­dis­pen­sável com­pre­ender que, pelo menos du­rante cinco meses do ano es­colar, as ac­ti­vi­dades não podem ser pro­ces­sadas no ex­te­rior, pelo que a dis­ci­plina perde todo o seu sig­ni­fi­cado se a sua con­cre­ti­zação so­frer tão largo in­ter­regno).

Em ter­ceiro lugar, mas não menos im­por­tante, impõe-se o pro­blema da for­mação, que nesta área se re­fere à in­for­mação for­ma­tiva de toda a po­pu­lação, com o ob­jec­tivo de tomar plena cons­ci­ência da gra­vi­dade da­quilo que se passa, mas, de forma es­pe­cí­fica, em re­lação aos pro­fes­sores, es­cla­re­cendo-os de­vi­da­mente da im­por­tância da ac­ti­vi­dade mo­tora para res­ponder a ne­ces­si­dades do de­sen­vol­vi­mento das cri­anças, através da sua for­mação ini­cial, mas também por in­ter­médio de um pro­grama es­pe­cial de for­mação per­ma­nente ou de aper­fei­ço­a­mento, como se lhe queira chamar.

Em quarto lugar, impõe-se a cri­ação de formas de ava­li­ação ge­ne­ra­li­zá­veis, de ca­rácter for­ma­tivo e nunca so­ma­tivo, de forma a poder-se ava­liar com rigor se as so­lu­ções es­co­lhidas são as mais cor­rectas.

Em quinto lugar, impõe-se a pos­si­bi­li­dade per­ma­nente de um con­trole mé­dico sis­te­má­tico do es­tado de saúde de cada aluno.

Muitos dirão cer­ta­mente que se trata de um pro­jecto ab­so­lu­ta­mente utó­pico, como já acon­teceu vá­rias vezes. Trata-se de uma questão que se deixa à cons­ci­ência de cada um. Não deixem é de pensar nos di­reitos e ne­ces­si­dades de toda a nossa ju­ven­tude.

“Avante!”, 1 de Setembro de 2022