A si­tu­ação do des­porto em Por­tugal é «ca­la­mi­tosa»

Ao con­trário da­quilo que as mais des­pu­do­radas cam­pa­nhas de ma­ni­pu­lação da si­tu­ação do des­porto em Por­tugal nos querem fazer crer, aquilo que se passa é grave e tem ten­dência a pi­orar (mesmo sem contar com os efeitos da pan­demia).

A per­cen­tagem de pra­ti­cantes é das mais baixas da Eu­ropa – os que dizem nunca pra­ti­carem apro­ximam-se dos 70%; a Edu­cação Fí­sica nas es­colas con­tinua a en­con­trar os mesmos obs­tá­culos para se con­cre­tizar (para além do facto mais do que es­can­da­loso de nem se­quer existir no 1.º CEB e no pré-es­colar); o Des­porto Es­colar sofre ata­ques per­ma­nentes e a per­cen­tagem de alunos pra­ti­cantes não ul­tra­passa os 20%; os clubes des­por­tivos en­frentam as di­fi­cul­dades de sempre sem verem o seu tra­balho de­vi­da­mente re­co­nhe­cido; nas em­presas o desde há muito de­sig­nado des­porto no local de tra­balho deixou de me­recer qual­quer tipo de re­fe­rência (apesar de com­pro­va­da­mente cons­ti­tuir um im­por­tante factor de au­mento da pro­du­ti­vi­dade e da me­lhoria da qua­li­dade de vida do tra­ba­lhador); os por­ta­dores de de­fi­ci­ência e os idosos mantém os mais baixos ín­dices de prá­tica de­vido à falta de con­di­ções; e, coroa de glória do go­verno, os re­sul­tados nos Jogos Olím­picos estão muito longe de co­lo­carem o País no lugar que de­veria ser o seu (não só o 56.º não jus­ti­fica o fo­gue­tório que o ilu­minou de­ma­go­gi­ca­mente, pois a única me­dida «ino­va­dora» con­sistiu na «compra» de um atleta de alto ga­ba­rito que nada devia ao nosso sis­tema des­por­tivo na­ci­onal e sem a sua me­dalha de ouro a clas­si­fi­cação seria o 72.º lugar).

As ra­zões pro­fundas desta si­tu­ação, e que mer­gu­lham no pas­sado, sendo de ordem vária, não in­te­res­sarão por agora, ainda que não devam ser ig­no­radas. Quais são as causas pró­ximas que con­ti­nuam a de­ter­minar os con­tornos desta si­tu­ação ver­da­dei­ra­mente ca­la­mi­tosa?

  1. A Edu­cação Fí­sica con­tinua a não ser to­mada na de­vida con­si­de­ração pelo Mi­nis­tério da Edu­cação. Este e o Go­verno ar­gu­mentam não ter di­nheiro para pro­mover a Edu­cação Fí­sica no 1.º CEB (quando sa­bemos que a verba de apoio à banca atinge pra­ti­ca­mente 20 mil mi­lhões de euros).
  2. O des­porto es­colar con­tinua a ser acu­sado de não pre­en­cher as suas fun­ções de for­mador de cam­peões, coisa que, aliás, nunca con­se­guiu fazer ao longo da sua exis­tência e a nova pers­pec­tiva con­siste em subs­tituí-lo pelo des­porto em idade es­colar… fora da es­cola
  3. Os clubes des­por­tivos de raiz vo­lun­tária e ma­te­ri­al­mente de­sin­te­res­sada são sis­te­ma­ti­ca­mente pres­si­o­nados para se trans­for­marem em ver­da­deiras em­presas lu­cra­tivas, ao invés de se lhe re­co­nhecer o ca­rácter de ser­viço pú­blico que, de facto, de­sem­pe­nham.
  4. Os tra­ba­lha­dores são di­rec­ta­mente res­pon­sa­bi­li­zados pela sua saúde e pela me­lhoria das suas ca­pa­ci­dades, cujas con­sequên­cias po­si­tivas para a pro­dução re­caem nos lu­cros das pró­prias em­presas, sa­bendo-se, como se sabe, que não pos­suem nem tempo, nem ca­pa­ci­dade fi­nan­ceira para o con­se­guirem.
  5. Os idosos e os por­ta­dores de de­fi­ci­ência con­ti­nuam a so­frer as con­sequên­cias da se­gre­gação so­cial que se mantém na so­ci­e­dade por­tu­guesa. Sem meios fi­nan­ceiros, sem es­tru­turas adap­tadas, ficam muito longe de be­ne­fi­ci­arem dos efeitos de uma prá­tica de­vi­da­mente ori­en­tada.
  6. É in­dis­pen­sável tomar cons­ci­ência de que os es­cassos êxitos des­por­tivos al­can­çados in­ter­na­ci­o­nal­mente se devem ao es­forço dos atletas, dos seus trei­na­dores e das suas fa­mí­lias. A per­ma­nente de­ma­gogia pra­ti­cada pelos mais altos res­pon­sá­veis po­lí­ticos da Nação cons­titui um es­pec­tá­culo con­fran­gedor de ex­plo­ração de va­lo­ri­zação a seu favor, de um grupo de atletas que têm de se es­forçar em obter apoios pa­tro­ci­na­dores para con­se­guirem pre­parar-se. O Go­verno con­tinua a não re­co­nhecer a im­por­tante con­tri­buição for­ne­cida ao pres­tígio do país através do des­porto de alto ren­di­mento: falta de meios e de apoios, na au­sência de uma es­tru­tura de for­mação es­pe­ci­a­li­zada e de pre­pa­ração, os atletas por­tu­gueses estão con­de­nados a par­ti­ci­parem nas provas in­ter­na­ci­o­nais numa si­tu­ação de cró­nica des­van­tagem.

Deste au­tên­tico pân­tano emerge a ini­ci­a­tiva de al­gumas câ­maras mu­ni­ci­pais, es­pe­ci­al­mente em re­lação à cons­trução de novos equi­pa­mentos des­por­tivos. Entre 1990 e 2010, a «fúria» cons­tru­tiva apro­veitou os di­nheiros vindos da Eu­ropa. To­davia, os seus re­sul­tados podem ser ava­li­ados com o exemplo do atle­tismo: em fi­nais da dé­cada de 80 o nú­mero de pistas de sin­té­tico não che­gava às 10.

Em 2010 es­tava pró­ximo das 100! En­tre­tanto o nú­mero de pra­ti­cantes tinha pas­sado pau­la­ti­na­mente dos cerca de 12 mil para… os menos de 15 mil! A su­bu­ti­li­zação cró­nica dos equi­pa­mentos cons­titui uma das mais graves si­tu­a­ções que ca­rac­te­rizam o des­porto na­ci­onal.

To­davia, per­gunta-se: esta si­tu­ação deve-se so­mente à in­com­pe­tência e à in­cul­tura, ou por de­trás disto tudo existe um pro­jecto in­ten­ci­onal?

“Avante!”, 10 de Março de 2022