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«Os países que afirmam como orientação e objectivo a construção de sociedades socialistas – China, República Popular da Coreia, ( . . .) – constituem( . . . ) um factor importante de contenção de domínio mundial do imperialismo». No entanto, estes países, enfrentando «desafios e contradições ( . . .) suscitam legítimas preocupações e dúvidas, (. . .), interrogações e discordâncias, ( . . . ), nomeadamente quanto a orientações que se distanciam de princípios e características da edificação socialistas».

in  1.3. 15. Capíítulo I, das Teses – Projecto de Resolução Política – XX Congresso do PCP

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No que diz respeito aos dois países citados, a tese joga com os adjectivos, os sinónimos e as redundâncias: são eles que, nas poucas frases sobre o assunto, em nome da «contenção do domínio mundial do imperialismo», traz uma nova contenção verbal a quem está habituado à ordem normal da gramática marxista. Com efeito, aqui (restantes teses), onde tudo tem o sentido preciso sobre a construção clássica de uma sociedade socialista, este subcapítulo altera as coisas, perturba a razão lógica, obriga a que se procure o que está antes, ou depois, do que é dito, pois é dessa concordância que depende o que a tese quer dizer sobre este tema.  

Assim, a tese é perfeitamente confusa: há algo, nela, que subverte as regras na conexão entre temas diferentes (contenção imperialista versus orientações de edificação socialistas; e, para além disso, nota-se que a perturbação que a motivou (preocupações, dúvidas, interrogações, discordâncias) nasce de uma imagem sempre inexplicável no texto, bastando-se com aquilo a que chama de «legítimas», e que neste caso tem tanto as figuras de «aproximação» como de «distanciamento» em relação a uma alegada «sociedade socialista», sem que nós saibamos sequer que aproximação e distanciamento são esses, além do facto de, ambos os países, serem governados pelos respectivos partidos comunistas (PCC, WPK).

Então, dá-se o nome de pré-conceito à tese, isto é, o que ela defende já nada tem a ver com a dialéctica clássica, com os conceitos marxistas puros e duros, como se um mero jogo de palavras respondesse a determinadas realidades políticas e culturais, permitindo às palavras caminhar em todas as direcções, conforme siga a realidade política, no seu curso de rupturas e influências – apenas rio de palavras que dependem das margens, certas ou agrestes, por onde as águas da realidade correm.

É, digamos, uma tese de transição, mas não é isso, de facto o que me interessa neste excerto das teses. É, antes, o apagamento, nesta tese, dos retratos do PCC e do WPK: que terão eles feito, ou dito, para que a tese política do PCP se tenha alterado? Que críticas terá a tese ouvido para escrever aquilo que escreveu sobre os países onde o PCC e o WPK governam? Que gesto de mãos chinesas, e de olhos coreanos, terá obrigado o PCP a sobressaltar-se tanto, como se nunca estes partidos comunistas, até então, lhe tivessem provocado o mesmo efeito? Vejo as datas das suas vidas, quando é que se encontraram pela primeira vez? Trinta, quarenta anos? Antes ou depois da última Internacional Comunista que inspirou a cisão mais duradoura até hoje no movimento internacionalista dos trabalhadores? Na tese do PCP, porém, nada lembra outros combates «socialistas», que não sejam a mera afirmação de «orientação» e «objectivos» nos respectivos programas de PCC e WPK, como se fosse essa a única guerra que as teses do PCP conheceram e travaram, ao longo dos tempos, com esses partidos agora, alegadamente, «irmãos».

PCP contra ele próprio, a sua lucidez branca de racionalista no contexto dos desacertos do Movimento Internacionalista Proletário e, até, das traições na própria Internacional Comunista. Poderei compreendê-lo? Justificar esta tese, que não diz mais do que diz, ou devo, pelo contrário, remetê-la para esse limbo de teses sem escola, que se limitam a esconder os períodos mais controversos da afirmação comunista? Ou apenas nada: limitar-me a ler a tese, como se o Congresso do PCP fosse hoje, e a sentar-me no meio dos três, PCP, PCC e WPK, servindo de intérprete ao que uns e outros, possivelmente, não sabem como dizer.

Ver também:  Teses – Projecto de Resolução Política – pdf

 

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