A análise do que tem sido a constituição, desenvolvimento, e aprofundamento do capitalismo em Portugal ao longo da história faz-nos divisar que a questão da soberania nacional (ou falta dela, ou amputação dela) tem um papel de elevada relevância no modo como se estrutura a dominação de classe entre nós.
Por um lado, porque a «burguesia nacional» (autores há que discordam, sequer, do emprego do termo «nacional» para se lhe referir) existiu sempre em Portugal como extensão da dominação externa, constituindo-se em sócia menor dessa relação imperialista e exercendo, em nome dela, um papel de capataz sobre o povo português.
Em face deste princípio, a reivindicação da soberania nacional torna-se uma luta de carácter eminentemente popular, no sentido em que qualquer esforço de libertação das classes dominadas da sociedade portuguesa é por inerência uma ruptura quer com o imperialismo quer com a burguesia nacional de que este é agente.
1 – A burguesia portuguesa e a soberania nacional
O Estado capitalista saído da revolução burguesa que triunfa em 1834 foi durante alguns anos considerado, pela historiografia, objecto de disputa entre a burguesia comercial e a burguesia industrial. Puro engano. A disputa pela rotação da fracção da burguesia no exercício do poder naturalmente existiu, mas gizou-se um consenso entre essas fracções de classes (e entre eles e os latifundistas) com vista à aplicação de um modelo de capitalismo que, suplantando a escassez dos capitais acumulados pela burguesia portuguesa, os ia buscar através do endividamento público. A dívida pública, em sentido marxista, é uma forma de o Estado municiar os capitalistas (dos quais o Estado é pertença) com capitais «sem os riscos inerentes ao investimento industrial ou até à usura privada» (Marx), repassando todos os custos com o pagamento dessa dívida para as classes dominadas da sociedade, constituindo-se por isso e de pleno direito em instrumento de exploração do homem pelo homem. Simultaneamente, e como é notório, o credor do Estado endividado – ou o Estado de que esse credor for «proprietário» enquanto membro de uma classe dominante – assumirá sobre esse Estado um ascendente progressivamente maior, na medida em que cresçam as obrigações do devedor para com ele. A tal ponto pode essa subalternização do devedor ao credor chegar que, dizia o presidente norte-americano John Adams, «há duas formas de dominar um país: a guerra e a dívida».
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