“Que dia complicado! Houve grandes desordens em Petersburgo porque os operários queriam ser recebidos no Palácio de Inverno. A tropa teve que disparar e houve muitos mortos e feridos. A Mamã veio visitar-nos à hora da missa. Jantámos em família. Passeei com o Miguel. A Mamã vai ficar connosco esta noite.”
Diário do Czar Nicolau II, 22 de Janeiro de 1905
(o Domingo Sangrento, quando a tropa disparou sobre uma manifestação pacífica com um saldo de milhares de mortos e feridos)
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Há cem anos o jornalista norte-americano John Reed acompanhou os dez dias que levaram os bolcheviques ao poder na longínqua Rússia, num ímpar relato jornalístico, sem que as suas convicções (era comunista) o levassem a ceder ao registo panfletário ou o impedissem de anotar o detalhe, o pormenor das contradições e das complexidades do tempo.
De igual modo é muito mais rico o que fica da Revolução de Outubro, da Guerra Civil Russa e da Colectivização da Agricultura no Donbass (a brutalidade do conflito, os crimes dos beligerantes, as dúvidas dos seres humanos, a militância abnegada), nos quatro volumes do “Don tranquilo” e nos dois do “Terras desbravadas”, de Mikhail Cholokhov, curiosamente um protegido do “homem de bigode farto e de feições de uma beleza austera”, do que nos livros, jornais e documentários de historiadores, politólogos, jornalistas e aspirantes a qualquer coisa que por estes dias postularam – Meu Deus! Foi uma desgraça! Felizmente a coisa morreu! Mas cuidado, a ideia e a seita andam por aí… e com as fraquezas da humanidade, nunca se sabe!!!Atónito, depois de ter ficado a saber que foi a Revolução de Outubro que levou Hitler ao poder (quê???), duas perguntas sobraram – teria sido possível, numa terra de mujiques, transformar um país feudal numa superpotência mundial, erradicar o analfabetismo, derrotar dois terços do exército nazi (e ganhar a II Guerra Mundial) e tomar a dianteira nas artes, nas letras e na ciência, com a “democracia liberal” de Kerensky ou com a “ditadura militar” de Kornilov (mudar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma)? E já agora, teria havido direitos laborais e Estado-social nos países capitalistas sem União Soviética?
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