O País até está parvo. É o caso da Maria e, talvez, de mais milhão e meio de portugueses que, como ela, se encontram desempregados.
A Maria que, até sexta-feira passada, apenas se sentia inútil e maltratada. Que se sentia, apenas, vazia. Que andava, apenas, abatidíssima. Agora, também ela não quer acreditar. Há uns meses, regressara a casa dos pais, em Arouca. Com ela veio o filho e o marido, também ele desempregado. A sobrevivência desta gente vem da pequena horta caseira e dos cerca de 350 euros mensais da reforma de seu pai. O subsídio já se foi e, todas as semanas, ela cambaleia, durante horas, na fila do Centro de Emprego, onde estão, o Manel, marido, e o Zé, cunhado, igualmente desesperados. O funcionário, incomodado, todas as vezes explica-lhes que não, que não há trabalho, o que os faz sempre regressar a casa, profundamente deprimidos. Assim têm passado os dias neste último ano e meio. Só lhes restava ficar parvinhos de todo. Foi o que lhes aconteceu, ontem, via TV.

A família estava como todas as noites, à hora certa preparava-se para o último traumatismo do dia. Ligou a televisão para ver e ouvir os telejornais. Com Victor Gaspar a abrir, ainda pior! Que ferro, este homem! Maria sempre o achara arrogante e antipático. Nunca o tinha visto como gente. Contudo, ontem, embora ela não escutasse o espanto de uma vida, até concordou com ele, quando o ouviu dizer – «a satisfação de vida de um desempregado não se recupera».
É então que, logo depois, à esquina de outra notícia, surge, sorrindo docemente, Passos Coelho. Toda a família votou nele nas últimas eleições, mais do que por qualquer outro motivo, como castigo ao Sócrates, já que foi ele que lhes abriu as portas do desemprego. Eles esperam ouvir do primeiro-ministro qualquer coisa cintilante e encorajante. Talvez um: «Há que apertar agora o cinto até virem melhores dias!». Talvez mesmo um: «Caramba! Em Portugal poucos se queixam, o povo está connosco! Os portugueses estão a dar uma lição de anatomia social ao mundo!. . .»
Nada disso. Febril, ao acaso, Passos dispara:
– O desemprego não pode ser considerado como negativo, mas antes como uma oportunidade para mudar de vida!
Para Maria, que vinha de deitar a sopa no prato do filho, isso suscitou-lhe, ali mesmo, na televisão, no CCB da cavaqueira e da intrigalhada entre burgueses, uma profunda indignação.
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