Senhor Presidente
Minhas senhoras e meus senhores.
Hoje vê-se cada vez com mais clareza a contradição entre, por um lado, a necessidade de acções colectivas de parceria no interesse da elaboração de respostas apropriadas aos desafios comuns e, por outro, o desejo de um certo número de países de dominar, de restaurar a mentalidade arcaica da confrontação dos blocos que se apoiam numa disciplina de caserna e numa lógica de preconceitos — «nós / os outros». A aliança ocidental, tendo à cabeça os Estados Unidos que se colocam como defensores da democracia, do primado da lei e dos direitos do homem nos países terceiros, age directamente ao inverso, no cenário internacional, rejeitando o principio democrático da igualdade soberana dos Estados, tal como fixado pela carta das Nações Unidas, e ensaiando decidir por todos o que está bem e o que está mal.
Washington proclamou abertamente o seu direito de utilizar a força militar de forma unilateral e não importa onde para a defesa dos seus próprios interesses. A intervenção militar tornou-se a norma, mesmo apesar do facto de todas as operações de força executadas pelos Estados Unidos no decurso dos últimos anos terem acabado mal.
Rudes golpes foram dados na estabilidade internacional: bombardeamento da Jugoslávia pela OTAN, intervenção no Iraque, ataque da Líbia, derrota no Afeganistão. Só graças a esforços diplomáticos intensos não se realizou a agressão contra a Síria em 2013. Não podemos deixar de pensar que as várias “revoluções coloridas” e outros projectos visando a substituição de regimes indesejáveis só têm por fim criar o caos e a instabilidade.
Hoje, a Ucrânia tornou-se vítima dessa política. A situação revela a persistência de defeitos profundos, sistemáticos, na arquitectura existente da zona euro-atlântica. O Ocidente decidiu «uma estruturação vertical da humanidade» em função dos seus próprios padrões, que estão longe de ser inofensivos. Proclamando a sua vitória na «guerra-fria» e o êxito do pretendido «fim da história», os Estados Unidos e a União Europeia procuraram alargar o seu espaço geopolítico sem ter em conta o equilíbrio dos interesses legítimos de todos os povos da Europa. Os nossos parceiros ocidentais não ligaram aos nossos repetidos avisos sobre a impossibilidade de aceitar da violação dos princípios da Carta das Nações Unidas e o Acto final de Helsínquia, esquivaram-se em todas as ocasiões a fazer em comum um trabalho sério a fim de criar um espaço único de segurança, igual e indivisível e de cooperação, do Atlântico ao Pacífico. A proposta russa de estudar um tratado de segurança europeia foi rejeitada. Declararam-nos simplesmente que garantias juridicamente constrangedoras em matéria de segurança só podem ser obtidas por membros daAliança Atlântica que, entretanto, continuou a deslocar-se para o Leste apesar das promessas em contrário anteriormente feitas. A passagem instantânea da OTAN para uma retórica hostil e à redução da cooperação com a Rússia mesmo em detrimento dos interesses próprios dos países ocidentais, à intensificação suplementar da infra-estrutura militar nas fronteiras russas, pôs em evidência a incapacidade da aliança em mudar o seu código genético criado no tempo da «guerra-fria».
Os Estados Unidos e a União Europeia apoiaram o golpe de Estado na Ucrânia. Justificaram sem discernimento todas as acções das autoridades autoproclamadas de Kiev, que tinham escolhido como fim político esmagar pela força a parte do povo ucraniano que havia rejeitado as tentativas de impor ao conjunto do país uma ordem anticonstitucional e queria defender os seus direitos à língua materna, à sua cultura e à sua história. É justamente esta ofensiva agressiva contra os direitos que obrigou os habitantes da Crimeia a tomar o seu destino nas mãos e a fazer a sua escolha a favor da autodeterminação. Essa foi uma escolha totalmente livre, por mais que possam inventar os que são os primeiros responsáveis pelo conflito interno na Ucrânia. Continuar a ler →