«Vós que surgireis do marasmo em que perecemos, lembrai-vos também, quando falardes das nossas fraquezas, lembrai-vos dos tempos sombrios de que pudestes escapar. Íamos, com efeito, mudando mais frequentemente de país do que de sapatos, através das lutas de classes, desesperados, quando havia só injustiça e nenhuma indignação. E, contudo, sabemos que também o ódio contra a baixeza endurece a voz. Ah, os que quisemos preparar terreno para a bondade não pudemos ser bons. Vós, porém, quando chegar o momento em que o homem seja bom para o homem, lembrai-vos de nós com indulgência.»
O ódio que nos impõem
Não sei quanta dor terá suportado Bertolt Brecht para arrancar da sementeira poética este apelo à compreensão das gerações futuras. Entre a engenharia memorialista, a cultura burguesa entretém-se a ocultar mensagens ou objectos para que num tempo que eles querem que não seja muito diferente deste sejam exaltados os valores do capitalismo. Se, entretanto, o céu for tomado de assalto, quando destaparem a miséria em que nos mergulharam durante séculos, toda a quinquilharia desenterrada ajudará a compreender o desabafo do poeta.
Toda a violência foi-nos imposta pelos que desde sempre nos esmagaram. A que usaram para nos oprimir e a que usámos para nos libertar. A desigualdade é a parteira da violência. É tão simples que, em 1965, um padre colombiano dirigiu-se ao povo através dos ecrãs e simplificou a questão: «Devemos perguntar à oligarquia como é que vai ceder o poder. Se o vai ceder de forma pacífica, tomamo-lo de forma pacífica. Mas se ela o fizer de forma violenta então vamos tomá-lo de forma violenta». E se há país onde se aprende rapidamente que os direitos não se mendigam é na Colômbia.
Ao contrário da Europa Ocidental onde a burguesia cedeu avanços sociais para enfraquecer o prestígio do movimento operário alicerçado na vitória da URSS sobre o nazi-fascismo, a América Latina viveu a segunda metade do século XX afogada em sangue. O desaparecimento de dezenas de estudantes mexicanos, provavelmente assassinados pelo narcotráfico, é a importação para aquele país de práticas que na Colômbia há muito são comuns. O tráfico de droga pelas máfias organizadas tem vínculos directos com o Estado. Desde a polícia, passando por autarcas e deputados, as instituições são a arma da burguesia para esmagar os protestos da classe trabalhadora e dos povos. Continuar a ler →