Ler Jacques Sapir – o “indispensável” Jacques Sapir, como lhe chama, e bem, o João Rodrigues nos Ladrões de Bicicletas – constitui cada vez mais uma forma de “lavar a alma”, permitindo-nos ver um pouco mais além daquilo que as viseiras estreitas do europeísmo, incluindo o “europeísmo de esquerda”, nos autorizam e se autorizam. Para não ser repetitivo em relação ao que já escreveu Octávio Teixeira , permitam-me que trate agora de sublinhar, no artigo do Sapir publicado por resistir.info :
1) A assunção, da escola dita das “expectativas racionais”, em que está fundada a União Económica e Monetária (UEM). Ou seja, e nas palavras de Sapir: “Os economistas do BCE afirmam há muito que a melhor taxa de inflação é a mais baixa possível. Fundam este objetivo na afirmação de que os agentes económicos não seriam de todo sensíveis à ilusão nominal. Por outras palavras, que os agentes estariam plenamente conscientes das modificações presentes e futuras dos preços de todos os produtos e de todos os ativos, e que determinariam a sua atitude reportando-se à sua riqueza real”.
Deve destacar-se que, para além de profundamente irrealista, esta assunção é quintessencialmente constitutiva da oposição de direita ao keynesianismo, ou ao Estado social. Trata-se de reaganomics em estado puro: Robert Lucas, Robert Barro e afins, os restauradores “água doce” da ortodoxia neoclássica na mainstream economics, e assumidamente à custa do keynesianismo. Face a isto, e desde logo, a presença mesmo de uma “oposição de esquerda” adentro do “europeísmo realmente existente” torna-se de todo em todo irrelevante. Noutros termos, os economistas do Bloco de Esquerda e do Syriza, precisamente em virtude do seu “europeísmo” (e mesmo sendo ele oficialmente “crítico”), estão constitucionalmente à direita e mesmo muito à direita de Lord Keynes.
Isto não é um acidente de percurso. Não estamos perante um “oops!”, uma coisa que até teria sido bem-intencionada, apenas depois um pouco menos bem esgalhada na prática. Não se trata aqui do dito de que “de boas intenções está o Inferno cheio”, de que “a vida é bela, os homens é que dão cabo dela”, ou coisa semelhante. Não, nada disso! O “projeto europeu” é, já ao nível mesmo das intenções conscientes, um projeto constitucionalmente visando comprimir o montante da intervenção estatal na economia, o nível geral da incidência fiscal, a progressividade desta e, naturalmente, junto com tudo isso, também o nível dos salários. É um projeto não de “salários mínimos” internacionais, ou transnacionais, mas pelo contrário de “plafonamento” dos salários, de compressão e indução generalizada da baixa destes. É também um projeto de “plafonamento do Estado”, de compressão da intervenção económica deste último através da concorrência fiscal, e naturalmente de ampliação da esfera dita “do mercado”, isto é, dos lucros, e sobretudo dos lucros financeiros. A “Europa social” nunca acontecerá! – como aliás parece ter compreendido bem o João Rodrigues (aqui) .
Continuar a ler →