Botswana. Meio-dia. Um simba, no topo da árvore, tronco nu e pé descalço, vigia, na savana, a manada cinzenta.
De súbito, louco de fúria, colossal, abanando as orelhas e soltando urros, irrompe, no vasto panorama africano – o elefante. Ele.
A arraia míuda zoológica, espalhada por entre o capim, meia adormecida sob o sol escaldante, foge, desconcertada, sob a carga monstruosa, surrealista, do elefante.
É então que começam a despontar, dos jeep’s, de caçadeira de dois canos, camisa de linho branco, calção e colete, capacete de cortiça de fita de pantera, com mais carregadores simbas atrás, – os caçadores. Entre eles, o rei de Espanha, D. Juan de Bourbon, e uma amazona baronesa.
Os caçadores aristocratas visam o corpo formidável da fera e crivam-no de balas blindadas, que abrem, no couro da pele, na massa da carne, buracos por onde cabem punhos. Caem, na savana, toneladas de elefante.
A espingarda mais certeira galga para o costado da fera. Um simba, que vinha de carregador, ajoujado de caixas, dispara, ao sol, a máquina fotográfica.
Poucos minutos depois, regista-se um acidente com algumas consequências graves para D. Juan. Este tropeça na amazona, cai em cima dela e fractura uma perna. Por sorte, a amazona não se aleija e consegue mesmo transportá-lo para um hospital local, a fim de ser radiografado. Sendo grave, o monarca segue, de urgência, para o seu país, onde é submetido a uma intervenção cirúrgica.
A fotografia do simba, entretanto, aparece em tudo o que é jornal e televisão. Rebenta então o escandâlo – mundial e doméstico. Alguns dias depois, o rei sai do hospital e, publicamente, pede desculpa aos espanhóis pela sua furtiva caçada africana em tempos de austeridade castelhana. Para lá das portas do palácio da Moncloa, promete à rainha Sofia que, com ou sem austeridade, acabaram as suas aventuras com as amazonas baronesas.
Este caso propôe à meditação um novo tipo de relações entre a aristocracia, o desporto da caça e estes tempos de austeridade.
As medidas de austeridade na Europa e o que se passou no Botswana, entre as casacas escarlates espanholas, simbas e um elefante, abre, também, caminho a situações poderosamente espectaculares em Portugal.
De travesti em travesti, de país em país, estamos, nestes tempos de austeridade, em plena caça ao homem. Sobretudo aos europeus. Entre estes, a caça ao português é a mais poderosamente exótica. Porque, afinal, em vez do elefante, de pata grossa, tromba e dente gigantes, e um reformado, um desempregado, talvez mesmo um funcionário público português – a caça ao homem em Portugal é muito mais emocionante.
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