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Mi­guel Mor­gado foi as­sessor po­lí­tico do pri­meiro-mi­nistro Pedro Passos Co­elho entre 2011 e 2015 e, daí até 2019, de­pu­tado do PSD. Hoje é in­ves­ti­gador na Uni­ver­si­dade Ca­tó­lica e acaba de editar o livro Guerra, Im­pério e De­mo­cracia – a As­censão da Ge­o­po­lí­tica Eu­ro­peia. Em en­tre­vista re­cente à An­tena 1, a pro­pó­sito da sua obra, dis­correu sobre os pa­drões mo­rais que ale­ga­da­mente regem a ge­o­po­lí­tica das po­tên­cias eu­ro­peias (ou de raiz eu­ro­peia, como os Es­tados Unidos), im­posta ao mundo há mais de dois sé­culos.

Aos mi­cro­fones da rádio (como se­gu­ra­mente nas pá­ginas do livro), Mor­gado ga­rante que «fazer po­lí­tica in­ter­na­ci­onal em nome dos di­reitos hu­manos, em nome de prá­ticas de­mo­crá­ticas, é uma ino­vação eu­ro­peia». E, ob­ser­vando o ine­xo­rável fim do pre­do­mínio oci­dental, an­te­cipa que «todas as formas es­pi­ri­tuais, cul­tu­rais e po­lí­ticas que a Eu­ropa ex­portou e impôs ao mundo vão agora co­meçar a en­trar em re­gressão»: o mundo que aí vem, ga­rante, será «muito menos re­cep­tivo à de­mo­cracia e aos di­reitos hu­manos».

Ti­vesse sido um caso iso­lado e a coisa não me­re­ceria o re­levo que aqui lhe é dado. Acon­tece que a tese não só não é ori­ginal como pro­li­fera di­a­ri­a­mente nos meios do co­men­tário po­lí­tico e da pro­dução que se diz aca­dé­mica. E tem outro pro­blema, mais grave: é que é muito di­fícil, senão mesmo im­pos­sível, des­co­brir onde param os tais pa­drões mo­rais, hoje e nos úl­timos du­zentos e tal anos…

Não es­ti­veram se­gu­ra­mente pre­sentes na Con­fe­rência de Berlim que em 1884-85 lançou a co­lo­ni­zação efec­tiva do con­ti­nente afri­cano e, com ela, o ge­no­cídio de povos, os mas­sa­cres, o tra­balho for­çado e a se­gre­gação ra­cial, a ex­pro­pri­ação de terras, a trans­fe­rência com­pul­siva de po­pu­la­ções, a des­truição das an­te­ri­ores formas de or­ga­ni­zação so­cial. É também ta­refa árdua tentar en­contrá-los nas guerras co­lo­niais im­postas aos povos de África e da Ásia que lu­tavam pela sua li­ber­tação e eman­ci­pação: no Quénia e na Ar­gélia, no Vi­et­name e na Co­reia, em An­gola, Mo­çam­bique e Guiné-Bissau. Ou nas múl­ti­plas formas de in­ge­rência com que os EUA e de­mais po­tên­cias im­pe­ri­a­listas pro­cu­raram im­pedir ca­mi­nhos so­be­ranos de de­sen­vol­vi­mento: com os golpes contra Mos­sa­degh, no Irão, ou Lu­mumba, no Congo; as di­ta­duras mi­li­tares da Ope­ração Condor por toda a Amé­rica La­tina; os cri­mi­nosos blo­queios im­postos aos povos de Cuba, Ve­ne­zuela ou Síria; o apartheid na África do Sul ou a ocu­pação da Pa­les­tina.

E onde es­tava essa moral no in­ferno nu­clear de Hi­ro­xima e Na­ga­sáqui, na des­truição da Ju­gos­lávia, do Iraque e do Afe­ga­nistão? Es­teve por­ven­tura pre­sente quando se ne­gava à mai­oria da po­pu­lação mun­dial o acesso a va­cinas e ou­tros me­di­ca­mentos?

Se estes pa­drões mo­rais estão em risco, isso é uma boa no­tícia. Para de­ses­pero dos mor­gados e da­queles a quem servem…

“Avante”, 23 de Março de 2023