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Num fragmento do filme “O Quadrado”, de Ruben Östlund, assiste-se a uma conversa entre um adulto e uma criança. A criança queixa-se de uma injustiça da responsabilidade indireta do adulto e trata-o como alguém da sua igualha, com uma boçalidade de taberna. O adulto, incrédulo, muito senhor da sua sueca “identidade social-democrata, formalmente cortês e serena”, não consegue lidar com a grosseria do petiz. O quadro que nos é apresentado é o da incompreensão, idiossincrasias contrastantes, linguagens de universos paralelos. 

Estaremos perante um quadro social exclusivamente sueco ou será global? Circunscreve-se ao relacionamento hodierno entre adultos e crianças? Serão assim os adultos de amanhã? Não acontecerá o mesmo entre professores e alunos, servidores públicos e utentes? Entretanto, esbarro noutro fragmento da realidade, este contado e bem mais próximo de nós. 

Numa escola da Área Metropolitana do Porto, um professor, cordato e cortês como poucos, numa aula do 9º ano, pediu, repetidas vezes, a um aluno para se sentar, tirar o boné, abrir o caderno e fazer a atividade proposta. Sucederam-se as negas, proferidas com maus modos, contrastando com a abordagem civilizada do docente. A dada altura remata o aluno:  – não me chateie, quero é ir lá para fora. Se assim quer, retorquiu educadamente o professor, faz o favor de sair. O aluno levantou-se, gingão, escarrou para o chão e abandonou a sala.

Consultei o perfil do aluno no século XXI,  a nossa identidade “social-democrata, formalmente cortês e serena” e li: “os valores que devem pautar a cultura de escola” são a “responsabilidade e integridade”, a “excelência e exigência”, a “curiosidade, reflexão e inovação”, a “cidadania e participação” e a “liberdade”. Como quadram tais valores da “Cultura de Escola” com um comportamento cavernícola desta índole? O que fazer perante semelhante energúmeno?

Este é um problema que perpassa também na atual luta dos professores. Para além das questões dos concursos e do estatuto da carreira docente, está latente o esboroar da autoridade da escola e do professor. De diferentes modos e intensidades a indisciplina cresce no meio escolar. Os valores do perfil do aluno do século XXI integram os documentos das escolas, os dizeres dos responsáveis educativos, mas a prática e a vida escolar é outra coisa bem diferente.

Ouve-se a palavra RESPEITO, respeito pelos professores, respeito que o ministério da educação deve aos professores. Em surdina cresce o diminutivo INHO. Mau sinal!

Facto, facto, é que há um mal-estar.

Facto, facto é que o energúmeno não cabe na civilização.

Facto, facto, é que assim não se educa para o perfil do aluno no século XXI.

Facto, facto, é que se a educação não vier pela ordem democrática virá pela não democrática.

“Discurso Directo”, 17 de Março de 2023