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O re­cente epi­sódio do míssil-russo-que-caiu-na-Po­lónia-mas-afinal-era-ucra­niano, que animou as hostes me­diá­ticas du­rante uns dias, não deve ser en­ca­rado com li­gei­reza, sendo útil que sus­ci­tasse al­gumas re­fle­xões. Aqui ficam três.

1. Entre os que – dizem-nos – são nossos «amigos» e «ali­ados», há quem sonhe com a Ter­ceira Guerra Mun­dial ou, pelo menos, não he­site em co­locar a Hu­ma­ni­dade pe­rante essa ter­rível pers­pec­tiva.

Tinha o la­men­tável in­ci­dente aca­bado de acon­tecer e havia quem não ti­vesse quais­quer dú­vidas acerca da origem do dis­paro e da sua mo­ti­vação, bem como do que se de­veria se­guir: a Rússia aca­bara de atacar «ter­ri­tório da NATO», exul­taram, e só havia uma coisa a fazer – in­vocar o ar­tigo 5.º e, com enorme pro­ba­bi­li­dade, co­locar a NATO em guerra di­recta e aberta contra a Rússia.

In­sa­ni­dade? Pro­vo­cação? Es­tra­tégia ne­go­cial? Para o caso pouco im­porta.

2. A co­ber­tura me­diá­tica do in­ci­dente diz muito acerca dos me­ca­nismos e redes de poder que regem as grandes ca­deias me­diá­ticas.

Quando tanto se opõe à «pro­pa­ganda russa» a «in­for­mação livre» do cha­mado Oci­dente, é re­ve­lador que só se tenha aban­do­nado a tese do míssil russo de­pois do pre­si­dente norte-ame­ri­cano, de­ter­mi­nado em pros­se­guir a – lu­cra­tiva – es­tra­tégia de guerra pro­lon­gada, ter con­si­de­rado «im­pro­vável» que o dis­paro ti­vesse essa pro­ve­ni­ência: o que mo­tivou a cor­recção de uma no­tícia falsa, e ra­pi­da­mente dis­se­mi­nada, não foi o es­tudo, o exame de factos e o cru­za­mento de fontes, mas a in­di­cação de qual era na­quele mo­mento a ver­dade ofi­cial.

Para além de mos­trar o tipo de jor­na­lismo (cha­memos-lhe assim) que por aí se faz, este epi­sódio cons­titui uma pre­ciosa lição acerca do modo como se cons­troem as nar­ra­tivas.

3. Tinha razão o PCP na­quilo que es­creveu no seu co­mu­ni­cado de 24 de Fe­ve­reiro, o tal que tanta tinta fez correr.

Nele, ape­lava a uma «ur­gente de­ses­ca­lada do con­flito, à ins­tau­ração de um cessar-fogo e à aber­tura de uma via ne­go­cial», pri­meiros e in­dis­pen­sá­veis passos de um pro­cesso de diá­logo mais vasto: por uma so­lução po­lí­tica para o con­flito; pela res­posta aos pro­blemas de se­gu­rança co­lec­tiva na Eu­ropa; pelo cum­pri­mento dos prin­cí­pios da Carta da ONU e da Acta Final da Con­fe­rência de Hel­sín­quia.

O que acon­teceu é sa­bido: mi­lhares de mi­lhões em ar­ma­mento (algum dele sabe-se lá onde e em que mãos se en­contra); novo alar­ga­mento da NATO à vista; cres­cente de­pen­dência da Eu­ropa face aos EUA; au­mento da po­breza e das de­si­gual­dades em re­sul­tado das san­ções; ne­nhuma aber­tura a ne­go­ci­a­ções; mo­mentos de pe­ri­gosa es­ca­lada mi­litar. E tanto so­fri­mento e des­truição…

Mais cedo ou mais tarde, o ca­minho apon­tado pelo PCP – e por tantos ou­tros por esse mundo fora – aca­bará por se impor. lu­temos para que seja o quanto antes

“Avante!”, 30 de Novembro de 2022