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A falsa ideia de que qual­quer crí­tica a Is­rael é uma ma­ni­fes­tação de anti-se­mi­tismo, aliada à hi­po­crisia que reina nas ditas de­mo­cra­cias oci­den­tais, fez com que pas­sasse quase des­per­ce­bido o re­sul­tado das elei­ções de 1 de No­vembro em Is­rael. Es­cas­seiam as aná­lises ao re­sul­tado e, so­bre­tudo, as re­ac­ções de pre­o­cu­pada in­dig­nação es­pec­tá­veis de de­mo­cratas a sério.

O re­sul­tado das urnas ditou o re­gresso de Ben­jamin Ne­tanyahu, desta vez aco­li­tado por par­tidos re­li­gi­osos de ex­trema-di­reita, entre os quais o «Força Ju­daica» de Itamar Ben-Gvir, o su­pre­ma­cista judeu «her­deiro» de Meir Kahane, o ex­tre­mista fun­dador do Kach («Este é o Ca­minho»), par­tido an­tiá­rabe de ex­trema di­reita con­si­de­rado ter­ro­rista por di­versos países, in­cluindo os EUA e Is­rael, que pug­nava, entre ou­tros as­pectos, pela trans­for­mação do país num Es­tado te­o­crá­tico e pre­gava a se­gre­gação.

Com 64 dos 120 lu­gares do Knesset, Ne­tanyahu e os seus ali­ados dis­põem de uma mai­oria de ex­trema-di­reita nunca vista no par­la­mento, o que re­pre­senta ob­jec­ti­va­mente a vi­tória das teses do Es­tado judeu, de apartheid e de ocu­pação per­ma­nente da Pa­les­tina, pois nem os ultra-or­to­doxos da ali­ança si­o­nista re­li­giosa nem o Li­koud de Ne­tanyahu aceitam a cri­ação de um Es­tado pa­les­ti­niano ou a igual­dade de di­reitos. Isso mesmo ficou claro na cam­panha elei­toral, com Ne­tanyahu a pro­meter anexar todas as co­ló­nias de Is­rael, o que apesar de vi­olar o di­reito in­ter­na­ci­onal e mul­ti­plas de­li­be­ra­ções da ONU não pro­vocou qual­quer re­acção da cha­mada «co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal» sempre tão pro­pensa a pro­nun­ciar-se quando se trata de países de­sa­li­nhados com os EUA.

Não sendo se­gredo que Ben-Gvir as­pira a ser mi­nistro da Se­gu­rança Pú­blica, te­remos, se tal se con­cre­tizar, o lobo a tomar conta do ga­li­nheiro, ou me­lhor di­zendo o in­cen­diário a guardar o paiol de pól­vora, já que Ben-Gvir ad­voga o con­trolo judeu do Monte do Templo, o lugar santo para ju­deus, cris­tãos e mu­çul­manos que acolhe a mes­quita de AL-Aqsa, um dos lu­gares mais sa­grados do Islão, ac­tu­al­mente sob gestão da fun­dação jor­dana Waqf, o que pro­mete muito sangue.

Poder-se-á dizer, tendo pre­sente o que tem sido até agora a po­lí­tica is­ra­e­lita de total des­res­peito pelos acordos de Oslo, que pouco mu­dará para os pa­les­ti­ni­anos, que podem es­perar «mais do mesmo», ainda que com uma es­ca­lada das agres­sões, dos co­lo­natos, das pro­vo­ca­ções, das pri­sões e das mortes. Para a po­pu­lação não árabe, en­tre­tanto, o fu­turo afi­gura-se mais som­brio, com di­reitos fun­da­men­tais ame­a­çados, em par­ti­cular no res­pei­tante às mi­no­rias.

Washington e Bru­xelas po­derão fazer um ou outro re­paro, mas não fe­cham portas ao go­verno de Ne­tanyahu, por mais fas­cista que seja. Como dizia o outro, ele pode ser um «filho da p….», mas é o nosso «filho da p….».

“Avante!”, 10 de Novembro de 2022