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Graças a ele, estão traduzidos em língua inglesa – e apenas nela – os oito volumes O autor deste texto é tradutor da obra de ficção literária de Álvaro Cunhal. que a compõem. Veio a Portugal participar na mais recente Festa do Avante!. O seu testemunho é interessante em muitos aspectos, mas merece destaque o sentimento reforçado de confiança num futuro socialista que o autor levou consigo. E isso valerá certamente muito, para alguém que vive no interior da principal potência imperialista.
ATALAIA-AMORA-SEIXAL, Portugal- “Não há festa como esta!” proclamam aqui os slogans e t-shirts. “Não há festa como esta!”
É preciso um esforço hercúleo para pôr de pé um espectáculo como este, e uma série de voluntários do Partido Comunista vindos de todas as partes de Portugal realizam a maior parte do trabalho.
Organização
Em 1965, quando o Partido Comunista Português aprovou o relatório do seu líder Álvaro Cunhal “Rumo à Vitória”, durante os dias sombrios da ditadura de Salazar, ele identificava um princípio chave que manteria a resistência no bom caminho e na melhor forma física: Organização. “Sem organização nenhuma vitória é possível”.
“Organização não é uma palavra mágica que produz resultados apenas em virtude da sua repetição vezes sem conta. Se se diz mil vezes que é necessário organizar, e nada se organiza, seria melhor estar calado. Organização é trabalho diário concreto. O apelo à necessidade de organização só tem valor se for acompanhado de um trabalho eficaz e organizado. Sem organização, podemos “fazer algumas coisas”. Mas não seremos capazes de lançar grandes lutas, mantê-las ao longo do tempo, e elevá-las a um nível superior. A mera agitação pode pôr as massas em movimento, e até mesmo conduzi-las, mas não pode manter contacto com elas, guiá-las, educá-las para as surpresas que surgem a qualquer momento”.
A festa é organizada pelo Avante!, o jornal de longa data do PCP, outrora circulado clandestinamente num formato ligeiro, produzido clandestinamente, adequado para aconchegar tranquilamente no bolso do fato de macaco de um trabalhador. Desde a Revolução de 25 de Abril de 1974 que derrubou o regime fascista, o Partido Comunista tem funcionado aberta e orgulhosamente. O jornal de 32 páginas publica-se regularmente em cuidada impressão a cores.
Avante! é também o nome da editora do Partido. O “festival do livro” é uma tenda espaçosa que exibe todos os seus títulos disponíveis, bem como livros de outras editoras que poderiam ser de interesse para os que vêm à festa.
Conhecia bem a editora, pois Avante! é a editora das obras de Álvaro Cunhal, tanto dos extensos tratados históricos e teóricos como dos artísticos – livros infantis, uma tradução do “Rei Lear”, a sua pintura e desenho gráfico e, evidentemente, os seus nove volumes de ficção que tive a distinção de traduzir para inglês nos últimos três anos (faça uma busca do seu pseudónimo “Manuel Tiago” na homepage do People’s World e encontrará numerosas entrevistas e recensões).
Certas edificações parecem fazer parte das infra-estruturas permanentes nos terrenos da festa – vários hectares de terreno, não todos planos mas suavemente ondulados, adquiridos há anos pelo Partido para este fim, de modo a não ter de encontrar e alugar locais adequados todos os anos. O espaço fica do outro lado do rio Tejo em frente à capital, Lisboa, acessível através de uma rápida passagem pela Ponte 25 de Abril. De certos locais da festa, Lisboa pode ser vista ao longe.
Mas praticamente tudo o resto – pavilhões, áreas de espectáculos, zonas de comes e bebes – tem de ser desmantelado nos dias seguintes à festa de cada ano, por empenhados voluntários que permanecem para este fim. E regressarão à próxima festa – anunciada para 1-3 de Setembro de 2023 – para organizar tudo de novo.
Isto requer organização!
Mas isso é apenas o local físico. Reunir o vasto leque de apresentações, oradores, painéis, exposições, concertos, serviços de refeições, cuidados infantis; tratar de todas as exposições regionais portuguesas e ofertas gastronómicas, e as dezenas de locais no espaço internacional; preparar materiais impressos e sinalização; afixar anúncios do evento em todo o país; coordenar os transportes – tudo isto requer um nível de coordenação e atribuição de tarefas que parece comparável (a este norte-americano) à encenação de uma grande convenção de nomeação de candidaturas de um partido dos EUA em ano de eleições.
No entanto, como aprendi no decurso da tradução dos seus livros, principalmente sobre a clandestinidade no período fascista, Cunhal retratava uma organização do Partido que era altamente democrática, dirigida colectivamente, e fortemente sintonizada em termos de segurança. Os números são difíceis de determinar – o velho factor “necessidade de saber” entra – mas de uma população total de 10 milhões, o Partido em Portugal é estimado em cerca de 50.000 membros. Numa base per capita, é talvez o mais forte de todos os partidos comunistas do mundo capitalista. Números como estes podem conseguir muito.
Ninguém poderia assistir a tudo o que o festival oferece. Em qualquer momento da programação, excepto no grande comício no final, com a presença do Secretário-Geral do PCP Jerónimo de Sousa, um espectador do festival poderia escolher entre várias opções – um concerto, uma apresentação teatral, um painel de oradores, uma visita a qualquer um dos vários pavilhões temáticos, ou ao Espaço Internacional, com locais de partidos irmãos e movimentos.
No entanto, a festa tinha este ano sido severamente atacada pelos meios de comunicação social corporativos. Os críticos queixavam-se de que poderia haver oradores e intérpretes a apoiar a Rússia, e os intérpretes que tinham sido agendados foram fortemente pressionados a retirar-se. Ainda existem forças fascistas e anticomunistas a trabalhar no Portugal actual, mesmo que os correios tenham emitido uma série de três selos em homenagem ao centenário do PCP.
Destaques pessoais
A cada uma das delegações internacionais foi designado um tradutor/guia. Assim que o nosso autocarro descarregou na festa fui recebido por Inês Branco, cujo inglês era bastante bom embora, com a sua indulgência, eu tivesse preferido praticar o meu português. No dia seguinte, quando um camarada irlandês chegou e foi também destacado para a Inês, regressámos ao inglês. Inês, Lily e eu demo-nos bem, partilhando reflexões políticas e também muito de natureza pessoal. Assim nasceu a camaradagem.
Tive uma série de momentos de destaque pessoal. Primeiro, como tradutor de Manuel Tiago, participei num painel sábado de manhã (chamado “debate” em português, mas não um debate como em inglês, mais especificamente uma conversa) sobre “O Impacto Internacional da Obra de Álvaro Cunhal”, juntamente com um camarada italiano, Alberto Lombardo, que falou sobre o influente livro de Cunhal “O Partido com paredes de vidro”, e moderado por José Oliveira.
Vários aspectos deste debate ressoaram profundamente em mim. O camarada José, ligado à editora dos originais, Avante!, serviu durante os últimos três anos como a minha última garantia: Submeti-lhe (electronicamente, obviamente) o que considerava os meus manuscritos finais das obras do Tiago, revistos muitas vezes por mim e por alguns leitores a quem tinha pedido ajuda para encontrar erros de redacção – ou pior, quaisquer passagens que soassem como “tradutorice”. José reviu no meu trabalho situações em que eu não tinha capturado bem uma nuance do original, ou em que, de alguma forma, tinha mesmo saltado uma linha ou parágrafo, muitas vezes incluindo indicações ilustrativas do seu ponto de vista. Devia-lhe uma dívida impossível de saldar, mas é claro que nunca nos tínhamos encontrado pessoalmente, antes. Foi, portanto, um abraço fraterno de profunda colaboração camarada.
A minha conversa correu bem – proferi-a em português – e, na verdade, suscitou um par de aplausos espontâneos. Uma das vezes, quando afirmei que o inglês era a única língua para a qual toda a obra de ficção de Cunhal tinha sido traduzida, o que significava que eu era, portanto, a única pessoa no mundo que alguma vez tinha traduzido todos os seus livros fosse em que língua fosse. A segunda vez ocorreu quando expressei a minha esperança de que os contributos e solidariedade que os países socialistas emprestaram aos movimentos mundiais contra o colonialismo, racismo e apartheid nunca seriam esquecidas – sendo este tema um factor recorrente em muitos dos livros de Tiago.
No final, uma mulher de meia-idade, na audiência, fez uma pergunta sobre quem estava a ler estes livros nos EUA – questão para a qual, infelizmente, não dispunha de uma resposta sólida, embora tenha observado quão generosa a International Publishers tem sido ao disponibilizar estas obras num mercado onde nenhuma editora comercial alguma vez consideraria esse tipo de compromisso de oito livros. Depois de concluída a sessão, abordou-me e apresentou-se. Era Ana Cunhal, a única filha do autor! Apenas poderão imaginar como fiquei honrado e emocionado por ela ter escolhido assistir à festa para me ouvir e conhecer, especialmente quando soube que ela vive uma vida muito tranquila, distanciada do trabalho do Partido, e só os principais dirigentes do Partido a conhecem. Embora tenha durado apenas uns escassos minutos, levarei a memória deste encontro para o túmulo.
Saramago, jazz, e almoço
Os intérpretes variavam entre artistas teatrais, cantores de fado e uma orquestra sinfónica completa, num tributo centenário ao escritor português vencedor do Prémio Nobel de 1998, José Saramago. Saramago é um dos heróis do PCP, um membro de longa data, que inseriu numerosas referências musicais ao longo da sua obra. Infelizmente, o evento principal, um concerto com a Sinfonietta de Lisboa, estava marcado para tão tarde da noite que nós, que estávamos no autocarro de regresso ao nosso hotel, tivemos de o perder. Mas apanhei uma tarde maravilhosa de jazz com a maravilhosa cantora Paula Oliveira e o seu quarteto (piano, percussão, trompete, baixo) em cenários originais de poemas de Saramago.
O comício foi emocionante – bandeiras a acenar, multidões a cantar, um magnífico corpo de percussões, o palco do 25 de Abril cheio de filas de dirigentes do Partido vestidos casualmente, cada cadeira do público ocupada. Um dos cânticos básicos era “Assim, se vê, a força do PC!”. O camarada Jerónimo apresentou uma abrangente e inspiradora perspectiva sobre eventos, tendências, necessidades, e possibilidades do momento.
Na segunda-feira de manhã, os contingentes restantes das delegações estrangeiras foram convidados à sede do PCP, em Lisboa, para um almoço quente, preparado no local, na cozinha do Partido. Nas mesas próximas, cerca de uma dúzia de trabalhadores do Partido estavam, também, a ter a sua refeição do meio-dia. O edifício tem cerca de sete ou oito andares, do que pude ver, e está todo ocupado pelos espaços de trabalho do Partido. Voluntários conduziram, depois, os delegados ao aeroporto, ou aonde quer que precisassem de ir. Um camarada deixou-me na estação de caminhos-de-ferro de Santa Apolónia, para a 2ª Parte da minha aventura portuguesa. Aí embarquei num comboio para Coimbra, a antiga cidade universitária com a famosa Biblioteca Joanina, e local de nascimento de Álvaro Cunhal.
Qualquer pessoa situada à esquerda, comunista ou não, encontraria na Festa do Avante! a entusiasmante afirmação de que os ideais socialistas merecem ser concretizados, e que é possível construir um poderoso movimento em direcção a esse objectivo. A luta continua!
Eric A. Gordon, em ODiarioinfo