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Encontrei por estes dias um velho amigo, amigo este que, nos idos anos noventa do século
passado, cursava Educação Física numa Escola Superior de Educação, não sei se sobre a égide
do paradigma das Ciências do Desporto e Educação Física ou da Ciência da Motricidade
Humana. O que sei, várias vezes por ele lembrado, é que integrava uma turma constituída por
dezoito formidáveis mancebos e cinco impetuosas amazonas, muito dados a mesa farta e
prato cheio, tal era a voracidade daqueles vinte e três mamíferos, a maioria atletas (futebol,
voleibol, andebol, natação, ginástica) e que acumulavam mais de vinte horas de prática
desportiva semanal, entre aulas e treinos.
Corria o ano de 1993 e a instituição resolveu concessionar a uma empresa privada a cantina
escolar, despachando as cozinheiras para outras tarefas e locais do estabelecimento, entre as
quais a memorável D.ª Maria, incansável a atestar, e repetidas vezes, a marmita daqueles
alarves.
Nesse tenebroso mês de setembro, ocorreu aquilo que agora chamam downsizing, traduzido à
época por outras palavras feias e impronunciáveis numa coluna de jornal. A nova gerência
apresentava umas ementas giríssimas, tabuleiros lindíssimos, empratamento fotográfico, mas
pouco, muito pouco comer e nenhuma possibilidade de repetição.
Momento marcante: os que cursavam Línguas – mais dados ao manuseamento da palavra –
diziam mesmo: tanto adjetivo e tão pouco substantivo. O adjetivo, como sabemos e nos
lembra o Paulo Sucena, “engordura a prosa”, particularmente se for parca a substância e
prolixa a decoração.
Foi pelo ronronar de estômagos pouco aconchegados que aqueles alunos aprenderam que
concessionar cantinas escolares dá nisto: quem dirige rentabiliza recursos, quem gere o
negócio – como o nome indica – trata do negócio, os mancebos e as amazonas que
necessitavam de forte sustento tiveram que moderar apetites e gastar mais no bar da escola.
Em suma, os primeiros pouparam, os segundos ganharam, os terceiros perderam.
Este ano letivo, à boleia da transferência de competências, as cantinas escolares da Escola
Básica de Arouca, da Escola Secundária de Arouca e da Escola Básica e Secundária de Escariz
deixaram de ser garantidas por pessoal não docente dos dois agrupamentos do concelho.
Deste modo, conseguiu a Câmara Municipal de Arouca deslocar uns quantos funcionários,
poupando assim uns cobres em eventuais contratações.
Ao que consta, a qualidade e higiene do novo serviço deixa muito a desejar, a quantidade e
qualidade da comida também, e os protestos dos alunos e dos pais e encarregados de
educação sucedem-se. Em suma, o serviço público das cantinas escolares disponibilizado aos
alunos dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário de Arouca piorou.
Temo tratar-se de um primeiro sinal do maravilhoso mundo da municipalização – concessões,
privatizações e demais desresponsabilizações. Nem o nome socialista parece já garantir o que
quer que seja, nem é distintivo de outros nomes, quando a hora é a de gerir serviços. A palavra
de ordem é externalizar.
“Roda VIva”, 21 de Outubro de 2022