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A no­tícia surgiu há dias na im­prensa por­tu­guesa. Luís Mi­guel Car­doso, um pro­fessor de Edu­cação Fí­sica de 52 anos, en­con­trava-se de fé­rias em Nova Iorque quando so­freu um aneu­risma ce­re­bral grave: trans­por­tado para o New York Presby­te­rian Hos­pital, fez um pri­meiro TAC, tendo sido de ime­diato trans­fe­rido para o Weill Cor­nell Me­dical Center, onde foi sub­me­tido a duas in­ter­ven­ções ci­rúr­gicas, re­a­lizou vá­rios exames e ficou in­ter­nado du­rante uma se­mana. En­tre­tanto, já re­gressou a casa, em Santo Tirso, são e salvo.

Porém, este que seria um final feliz ficou de algum modo en­som­brado pela conta do hos­pital: 150 mil euros, dos quais só 30 mil estão co­bertos pelo se­guro de saúde. «É quase como com­prar uma casa», de­sa­bafou a sua en­teada a um jornal na­ci­onal, acres­cen­tando que por vezes as pes­soas «não têm noção do quão são afor­tu­nadas por terem o SNS». Agora, para tentar reunir os res­tantes 120 mil euros, a fa­mília lançou uma cam­panha de fundos pela In­ternet…

Não é caso único, o de Luís Mi­guel, muito pelo con­trário. Se­gundo a ca­deia norte-ame­ri­cana CNBC, nos Es­tados Unidos ul­tra­passam 100 mi­lhões os adultos (41% da po­pu­lação) que têm dí­vidas de saúde: mais de 12% acu­mulam va­lores em falta su­pe­ri­ores a 10 mil dó­lares, en­quanto 63% re­co­nhecem ter sido por isso obri­gados a cortar na ali­men­tação, em ves­tuário e nou­tras ne­ces­si­dades bá­sicas. Destes 100 mi­lhões de pes­soas, quase me­tade gastou todas ou quase todas as suas pou­panças para saldar estas dí­vidas, que em 2019 atin­giam no total uns im­pres­si­o­nantes 195 mil mi­lhões de dó­lares, cerca de 190 mil mi­lhões de euros (nesse mesmo ano, o PIB de Por­tugal rondou os 214 mil mi­lhões…).

A tudo isto acresce o facto de, no início de 2022, es­tarem con­ta­bi­li­zados cerca de 30 mi­lhões de norte-ame­ri­canos sem qual­quer co­ber­tura de se­guro de saúde, ou seja, to­tal­mente pri­vados de as­sis­tência mé­dica.

Mas esta cró­nica não é sobre os li­mites ao di­reito à Saúde nos EUA. Pre­tende, antes, ser um alerta para as con­sequên­cias de deixar nas mãos do ne­gócio pri­vado a con­cre­ti­zação do que de­ve­riam ser ga­ran­tias uni­ver­sais. Um alerta tão mais ur­gente quando em Por­tugal se fra­gi­liza o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde e se deixa o campo aberto para os grupos pri­vados cres­cerem e cada vez mais di­tarem os seus termos: hoje, 40% do or­ça­mento pú­blico para a saúde acaba de uma forma ou de outra nos bolsos desses grupos. Em re­sumo, quanto menos SNS houver mais esta pro­porção au­men­tará, e com ela o que os por­tu­gueses pa­garão pelos cui­dados de saúde.

Tem razão a en­teada de Luís Mi­guel Car­doso: somos afor­tu­nados por ter um SNS como aquele que temos. Mas é pre­ciso de­fendê-lo. E salvá-lo.

“Avante!”, 22 de Setembro de 2022