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Co­meço esta cró­nica com um epi­sódio pes­soal. Li­mi­tado, como todos serão, mas – creio – exem­plar.

Es­tá­vamos em 1995 e a Festa do Avante!, como ha­bi­tu­al­mente, trans­bor­dava de gente – e par­ti­cu­lar­mente de jo­vens. Entre eles es­tava eu, es­tu­dante do En­sino Se­cun­dário e mi­li­tante re­cente da Ju­ven­tude Co­mu­nista Por­tu­guesa. Como ou­tros, apro­vei­tava os in­ter­valos que as ta­refas per­mi­tiam para, com amigos, as­sistir a um con­certo, vi­sitar um pa­vi­lhão, comer ou beber al­guma coisa, com­prar um crachá, uma ca­mi­sola, um livro.

Numa destas in­cur­sões, fomos apa­nhados pela equipa de re­por­tagem de uma das es­ta­ções pri­vadas de te­le­visão, de câ­mara apon­tada e mi­cro­fone em riste: «Estão aqui pelo Par­tido ou pela mú­sica?». De­pois de uma amiga res­ponder qual­quer coisa como «vim mais pela mú­sica, con­fesso, mas estou a adorar o am­bi­ente», re­feri-me à Festa, ao Par­tido e aos seus ideais – não re­cordo já em que termos o fiz, mas terão sido os pró­prios da tenra idade e da pouca ex­pe­ri­ência, tem­pe­rados com en­tu­si­asmo de sobra.

Mais tarde con­taram-me que só ela apa­receu no no­ti­ciário, e apenas na parte em que con­fes­sava ter ido «mais pela mú­sica». Das mi­nhas de­cla­ra­ções, ou ou­tras de teor se­me­lhante, nada! Soube ainda que o jor­na­lista apre­sentou a peça pro­pondo-se apenas a com­provaro que já sabia sobre as mo­ti­va­ções da ju­ven­tude ali pre­sente.

Per­cebi então que a Festa do Avante! in­co­moda e que há, desde a pri­meira edição (re­a­li­zada há já 48 anos), quem queira acabar com ela.

Logo em 1976 houve ame­aças e sa­bo­ta­gens, e nos anos se­guintes, por mais de uma vez, obri­garam-na a mudar de pouso e aos seus cons­tru­tores a er­guer uma ci­dade sobre ter­renos nunca antes des­bra­vados. Nou­tras oca­siões, como nesse ano de 1995, ten­taram mostrá-la como um mero fes­tival de mú­sica, para em se­guida a apre­sen­tarem como uma ini­ci­a­tiva des­ti­nada apenas a al­guns (poucos) co­mu­nistas. Num como noutro caso, li­mi­tada e con­de­nada a de­sa­pa­recer… E con­tinua bem vivo na me­mória tudo o que se disse e fez em 2020, quando a epi­demia era vista como pre­texto para os mais va­ri­ados roubos e ajustes de contas. Fa­lharam, uma e outra vez!

Este ano, o ataque é mais co­barde, porque in­di­recto, di­ri­gindo-se aos mú­sicos que com­põem o seu pro­grama. Talvez te­nham já per­ce­bido que a Festa do Avante! tem raízes pro­fundas na so­ci­e­dade e que os co­mu­nistas são gente firme, que não verga. O que talvez não es­pe­rassem é que os ar­tistas também o fossem.

Per­cebe-se o in­có­modo do ca­pital e dos seus vas­salos. É que, como afirmou Álvaro Cu­nhal em 1976, esta é a «Festa de uma vida como a que­remos e con­se­gui­remos, de um mundo como cons­trui­remos, da fra­ter­ni­dade, da so­li­da­ri­e­dade como a sen­timos». E é pre­ci­sa­mente isto que temem.

“Avante!”, 18 de Agosto de 2022