O Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro, com as respetivas alterações, regula a transferência de competências do domínio da saúde para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais. Assim, resumidamente, passam os municípios a ter competências para gerir a manutenção e conservação dos equipamentos afetos aos cuidados de saúde primários (exceto equipamento médico) e das unidades de saúde; gerir os assistentes operacionais das unidades funcionais dos respetivos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES); gerir o apoio logístico destas unidades e reforçar as “parcerias estratégicas com o Serviço Nacional de Saúde nos programas de prevenção da doença, com especial incidência na promoção de estilos de vida saudáveis e de envelhecimento ativo”. Para tal, devem as câmaras municipais criar ou atualizar a estratégia municipal de saúde contemplando na mesma as linhas gerais de ação, as metas, os indicadores, as estratégias, as atividades, os recursos e a calendarização. Esta estratégia é aprovada em assembleia municipal por proposta da câmara, e deve ser enquadrada nas linhas gerais do Plano Nacional de Saúde e dos Planos Regionais e Municipais de Saúde.

Cada município deve ter um conselho municipal de saúde presidido pelos presidentes da câmara, que na sua constituição explanada no referido Decreto-Lei, corre o risco de ter apenas um profissional de saúde (presidente do conselho clínico e de saúde dos ACES), podendo os restantes membros serem pessoas de áreas distintas. Analisando o mesmo decreto, as funções deste conselho municipal, como esperado, são todas no âmbito da saúde, como por exemplo, “contribuir para a definição de uma política de saúde a nível municipal” ou “emitir parecer sobre o planeamento da rede de unidades de cuidados de saúde primários” ou até mesmo “propor o desenvolvimento de programas de promoção de saúde e prevenção da doença”, entre outras.

Questiono-me como é que um órgão que pela sua constituição poderá vir a ter apenas um único profissional de saúde, se não for acautelada esta situação, pode prestar este tipo de funções sem ter os conhecimentos e competências que se exigem num assunto tão importante como a nossa saúde? Não deveriam estes órgãos ser constituídos maioritariamente por profissionais de saúde que conhecem o terreno? Iremos ter de facto estratégias municipais de saúde capazes de dar resposta às necessidades de cuidados da população com enfoque na promoção da saúde e prevenção da doença ou vamos ter mais um conjunto de intenções que não saem do papel? Como pode este conjunto de pessoas, por muita boa vontade que tenha, delinear políticas de saúde de qualidade e propor programas de promoção de saúde e prevenção da doença? Considero importante que membros da comunidade estejam envolvidos neste processo e que todas as pessoas sejam ouvidas. No entanto, é indiscutível a necessidade de participação de mais profissionais de saúde nestes órgãos.

É urgente a defesa de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) de qualidade valorizando as competências dos profissionais de saúde e uma estratégia concertada que os envolva em tudo o que diz respeito à nossa saúde!

Sendo eu profissional de saúde, e se por inerência de um qualquer cargo fosse integrada no conselho municipal de obras públicas, que competência teria eu para esse cargo e para o exercício dessas funções?

Por falar em saúde, numa época em que tantos criticam o SNS, foi publicado um estudo na Lancet, realizado na Inglaterra onde cada vez mais a saúde tem sido privatizada, que comparou os serviços de saúde públicos com os privados. Uma das principais conclusões foi o aumento significativo das taxas de mortalidade evitáveis, potencialmente como resultado de um declínio na qualidade dos serviços de saúde. Abordarei com mais pormenor este assunto numa próxima edição, bem como o porquê dos serviços de urgência estarem lotados (já não é de agora).

Fica a reflexão para que todos estejamos atentos em defesa da nossa saúde e do SNS!

“Roda Viva”, 14 de Julho de 2022