Quem con­trola o pas­sado, con­trola o fu­turo. Quem con­trola o pre­sente, con­trola o pas­sado. A frase é de Ge­orge Orwell e surge no ro­mance dis­tó­pico 1984, mas podia ter sido es­crita para ca­rac­te­rizar a ofen­siva ide­o­ló­gica do im­pe­ri­a­lismo, que sempre acom­panha – e en­quadra – a eco­nó­mica e a mi­litar.

O re­vi­si­o­nismo his­tó­rico em torno do Dia da Vi­tória, que a 9 de Maio as­si­nala a ren­dição da Ale­manha nazi ao Exér­cito Ver­melho e, con­se­quen­te­mente, o fim da Se­gunda Guerra Mun­dial na Eu­ropa, é exem­plar desta re­a­li­dade. Não é novo, longe disso, mas as­sumiu este ano uma di­mensão ex­tra­or­di­nária.

Ao agi­gantar-se o con­tri­buto de norte-ame­ri­canos e bri­tâ­nicos para a Vi­tória, apou­cando ao mesmo tempo o que foi dado pelos so­vié­ticos (russos, mas também ucra­ni­anos, bi­e­lor­russos, ca­za­ques…), pro­cura-se le­gi­timar a per­ma­nente e cres­cente pre­sença mi­litar dos EUA na Eu­ropa, o re­forço da NATO e da ver­tente mi­li­ta­rista da União Eu­ro­peia, àquela su­bor­di­nada, e a es­tra­tégia de cerco à Rússia, que tem dé­cadas e não meses.

Mas não há, na His­tória, nada que sus­tente essa nar­ra­tiva.

Foi na União So­vié­tica que os exér­citos nazi-fas­cistas se de­pa­raram pela pri­meira vez com uma efec­tiva re­sis­tência, nas re­giões ocu­padas da Bi­e­lor­rússia e da Ucrânia, como na Le­ni­ne­grado cer­cada e nunca to­mada. Às portas de Mos­covo ruiu, no início de 1942, o mito da in­ven­ci­bi­li­dade de Hi­tler e com o des­fecho das ba­ta­lhas de Sta­li­ne­grado e Kursk, em Fe­ve­reiro e Agosto de 1943, a guerra mudou de­fi­ni­ti­va­mente de curso: seria pre­ciso es­perar até Junho de 1944 (!!!) para o Dia D e a aber­tura da se­gunda frente, após a qual con­ti­nu­aram a com­bater a Leste 78% das forças nazi-fas­cistas (eram, até então, 92%). Foi ainda o Exér­cito Ver­melho a li­bertar Aus­chwitz e toda a Eu­ropa Ori­ental e Cen­tral e, em Maio de 1945, a con­sumar em Berlim a vi­tória de­fi­ni­tiva.

Também o preço pago pelos povos que com­pu­nham a URSS foi, e de muito longe, o mais ele­vado: 25 mi­lhões de mortos.

Nesta visão hollywo­o­descaem que ao Oci­dente de­mo­crá­tico se opõem to­ta­li­ta­rismo e a au­to­cracia, não cabe a de­núncia da co­ni­vência das po­tên­cias oci­den­tais com o nazi-fas­cismo, evi­dente na re­cusa das su­ces­sivas pro­postas apre­sen­tadas desde 1933 pela URSS para conter e travar o ex­pan­si­o­nismo nazi, no aban­dono da Re­pú­blica es­pa­nhola e da Che­cos­lo­vá­quia, na ca­pi­tu­lação fran­cesa (antes Hi­tler que a Frente Po­pular, cir­cu­lava então nos cír­culos di­ri­gentes do país). As mesmas po­tên­cias que hoje ce­le­bram um sonso Dia da Eu­ropa de braço dado com os as­su­midos her­deiros e con­ti­nu­a­dores dos que, como Stepan Ban­dera, co­la­bo­raram com os nazi-fas­cistas no ex­ter­mínio de mi­lhares de so­vié­ticos, grande parte dos quais ucra­ni­anos.

Não, não se trata apenas de me­mória. É luta!

“Avante!”, 12 de Maio de 2022