Em tempos de feroz (e bem re­com­pen­sado) an­ti­co­mu­nismo, ha­verá quem de boa-fé so­çobre pe­rante a tor­rente do pen­sa­mento único, avas­sa­la­dora por estes dias, a pro­pó­sito – e a pre­texto – da guerra no Leste da Eu­ropa. Quando fal­cões são tra­ves­tidos de pombas e quem mais fir­me­mente se bate pela paz e pelos di­reitos dos povos surge como alvo a abater re­co­menda-se uma breve – mas útil – vi­sita guiada por po­si­ci­o­na­mentos pas­sados, quando se dis­pen­sava opor­tu­nismos hoje tão em voga.

Já em 1996, no seu XV Con­gresso, o PCP aler­tava para os efeitos dra­má­ticos, nos países da ex-União So­vié­tica, do des­man­te­la­mento das es­tru­turas eco­nó­micas e so­ciais do so­ci­a­lismo, desde logo a «brutal de­gra­dação das con­di­ções de vida da mai­oria dos seus povos, com ex­plosão da mi­séria, do de­sem­prego, da cri­mi­na­li­dade, de vi­o­lentos con­flitos ét­nicos».

Ou­tros, hoje tão amigos da Ucrânia, glo­ri­fi­cavam o ca­pi­ta­lismo triun­fante e os tais oli­garcas, sau­dados então como res­pei­tá­veis e de­mo­crá­ticos em­pre­sá­rios. E não guar­davam uma só pa­lavra para os mi­lhões de de­sem­pre­gados, po­bres e emi­grantes que re­sul­taram da tão ga­bada re­con­versão ca­pi­ta­lista – que na Ucrânia levou à re­dução da po­pu­lação, entre 1991 e 2019, em cerca de 10 mi­lhões de pes­soas.

Dois anos de­pois e em Por­tugal só o PCP se opunha ao alar­ga­mento da NATO. Em 1998, num de­bate par­la­mentar, ques­ti­o­nava se a paz não de­veria antes as­sentar no «res­peito mútuo, na cri­ação da con­fi­ança, na er­ra­di­cação das he­ge­mo­nias e das re­la­ções de do­mínio e su­bor­di­nação». E se, com o re­forço e ex­tensão da NATO, não se es­taria a «lançar achas para uma fo­gueira que algum dia quei­mará as hi­pó­teses de es­ta­bi­li­dade, se­gu­rança e co­o­pe­ração».

Que não, tra­tava-se apenas da se­gu­rança eu­ro­peia – apres­saram-se a sen­ten­ciar di­ri­gentes po­lí­ticos, co­men­ta­dores e ana­listas, ao mesmo tempo que se in­cen­diava a Bósnia e o Ko­sovo, se pre­pa­rava a agressão ao que res­tava da Ju­gos­lávia e se ini­ciava o cerco mi­litar à então ainda pros­trada Rússia.

Em 2004, no Par­la­mento Eu­ropeu, o PCP con­si­de­rava «fun­da­mental haver um em­pe­nha­mento na es­ta­bi­li­dade da Ucrânia» e re­co­nhecia ter ha­vido já um «ex­ces­sivo in­ter­ven­ci­o­nismo ex­terno». Dez anos mais tarde, con­de­nava na As­sem­bleia da Re­pú­blica o golpe de Es­tado «apoiado pelos EUA, UE e NATO, que con­duziu ao poder forças de ex­trema-di­reita, aber­ta­mente ne­o­fas­cistas e xe­nó­fobas», e a vi­o­lência, in­to­le­rância e per­se­guição que dele de­cor­reram – pa­tentes no mas­sacre da Casa dos Sin­di­catos de Odessa, no pro­cesso de ile­ga­li­zação do Par­tido Co­mu­nista da Ucrânia, na guerra que já então di­la­ce­rava o Don­bass.

A pro­posta do PCP não passou e no mo­mento da sua apre­sen­tação houve de tudo – até risos – por parte de al­guns da­queles que hoje fazem emo­ci­o­nadas juras de amor à paz e à Ucrânia.

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“Avante!”, 21 de Abril de 2022