Se a in­flação é zero, não há razão para au­mentar sa­lá­rios, pois não houve in­flação. Se a in­flação é grande, é im­pos­sível au­mentar sa­lá­rios pois faria au­mentar ainda mais a in­flação. É ló­gico, dizem-nos o ca­pital e seus de­fen­sores.

A mesma ló­gica que já es­cu­tá­ramos nou­tras si­tu­a­ções. Na EDP, onde um au­mento de 90 euros/​mês para todos os tra­ba­lha­dores a dei­xaria com «apenas» 829 mi­lhões de euros de lu­cros, e por isso con­tra­pondo uma pro­posta de au­mento de 0,5%. Ou a SONAE, que não con­se­guia au­mentar os sa­lá­rios dos tra­ba­lha­dores que re­ce­biam o SMN sem ser com­pen­sada, como foi, em 450 mil euros pelo Es­tado, e que no mesmo ano con­se­guiu au­mentar a re­mu­ne­ração da sua CEO em… 450 mil euros. Ou os CTT, a quem era com­ple­ta­mente im­pos­sível au­mentar os sa­lá­rios dos tra­ba­lha­dores (e onde o au­mento de 90 euros/​mês im­pli­cava 15 mi­lhões de euros em 2021) e de­pois gastou 18 mi­lhões a com­prar ac­ções da pró­pria em­presa.

Esta «ló­gica», ba­ta­teira ou ba­to­teira, não tem nada de ló­gico, é a mera ex­pressão de in­te­resses de um con­junto de in­di­ví­duos. É que no ca­pi­ta­lismo a força de tra­balho é uma mer­ca­doria, aliás, é «a» mer­ca­doria. E a so­ci­e­dade as­senta no an­ta­go­nismo de duas classes de pes­soas: as que de­pendem da compra dessa mer­ca­doria para viver, e das que de­pendem da venda dessa mer­ca­doria para viver. Entre umas e ou­tras não há in­te­resses co­muns sobre o preço da força de tra­balho, há uma re­lação di­a­lé­tica, onde a cada mo­mento – e da luta – surgem acordos pon­tuais e ne­ces­sá­rios.

Pre­ci­samos de des­mas­carar a falsa ló­gica do pa­tro­nato como falsa ló­gica. E de lhe con­trapor li­nhas rei­vin­di­ca­tiva claras, que sirvam os in­te­resses dos ven­de­dores da força de tra­balho: se o custo de vida au­menta, o sa­lário tem que au­mentar; se a pro­du­ti­vi­dade au­menta, o sa­lário tem que au­mentar.

Re­cor­dando que a única coisa ver­da­dei­ra­mente ló­gica é que a força de tra­balho deixe de ser uma mer­ca­doria. Su­pe­rando o ac­tual modo de pro­dução.

“Avante!”, 14 de Abril de 2022