Li no fim de semana passado, pela pena de um fazedor de opinião da nossa praça, a propósito de um assunto forte da atualidade, que as sociedades estão cada vez mais cultas, estando em curso processos de remoção das excrescências ideológicas do passado. Tese esta, na sua variante literacia dos alunos portugueses, que parece comprovar-se nos índices de sucesso escolar cada vez mais elevados.
Porém, uma recente publicação, “Inquérito às práticas culturais dos portugueses”, produzido pelo Instituto de Ciências Sociais para a Fundação Calouste Gulbenkian, parece afastar-se deste otimismo sobre o estado da política educativa e cultural a que chegamos.
Segundo as conclusões da referida publicação, constatou-se que seis em cada dez portugueses (maiores de 15 anos) não leram um único livro no último ano. Se olharmos para o ranking dos livros mais lidos, não será abusivo concluir que os portugueses não leem e quando leem não leem nada de jeito.
Verificou-se, também, que sete em cada dez portugueses navega todos os dias na internet, o que demostra, comparação feita com os nossos congéneres europeus, uma elevada taxa de infoexclusão. Neste âmbito, se considerarmos o que é mais visualizado na rede também será de concluir que o tuga ou não consegue aceder à internet e quando o faz é para entreter, desabafar e disparatar.
Foi ainda constatado que nove em cada dez portugueses vê televisão todos os dias e que os programas mais vistos são os telejornais, em crescendo quando subimos na idade e baixamos na pirâmide social. Concomitantemente, crescem os consumos de livros, teatro, exposições, concertos quanto mais subimos a ladeira da pirâmide social.
Fico com dificuldade em classificar esta situação. Chamaria a isto uma questão de classe, mas como temos de banir as excrescências ideológicas não sei como nomear a coisa na novilíngua da tal sociedade da informação, cada vez mais culta, em que vivemos.
Contudo, permitam-me uma conclusão, por certo pouco ilustrada, os telejornais hoje, com a sua hora e meia a duas horas de duração, em registo de informação / entretenimento, acabaram por tomar o lugar das antigas telenovelas, tanto em horário como em emoção e fantasia. A novela da vida real, que todos os dias se desenrola entre as 20h00 e as 22h00, oferece tudo que a anterior novela popular oferecia – sabor a real, intriga e fantasia, heróis e vilões, emoções fortes e geografias insólitas.
Que destino terá esta sociedade de cultura, que dá à complexidade do real um banho de fantasia e emoções à flor da pele? Temo que com o credo dele resultante se caminhe para coisas feias.
“Discurso Directo”, 14 de Abril de 2022