Co­me­morar Abril exige afirmar o que a Re­vo­lução re­pre­senta e ex­pressa en­quanto re­vo­lução li­ber­ta­dora com pro­fundas trans­for­ma­ções na so­ci­e­dade por­tu­guesa e um dos mais altos mo­mentos da vida e da his­tória do povo por­tu­guês e de Por­tugal.

“Abril deve ser ce­le­brado a olhar para o fu­turo”

Neste início de co­me­mo­ra­ções ofi­ciais dos 50 anos da Re­vo­lução, é im­pe­ra­tivo não deixar sub­mergir o que ela foi e re­pre­sentou na ava­lanche in­ter­pre­ta­tiva dos que lhe negam a sua na­tu­reza, al­cance e ca­rac­te­rís­ticas ím­pares. Ce­le­brar Abril é evi­den­ciar o que foi o fas­cismo e com­bater o seu bran­que­a­mento, é des­tacar a luta an­ti­fas­cista, pela li­ber­dade e a de­mo­cracia. Ce­le­brar Abril é as­si­nalar o seu sen­tido trans­for­mador e re­vo­lu­ci­o­nário, não ra­surar a me­mória co­lec­tiva que o en­volve, afirmar o ca­minho que o tornou pos­sível, re­jeitar as per­ver­sões e fal­si­fi­ca­ções his­tó­ricas, de­nun­ciar os que o in­vocam para o am­putar do seu sen­tido mais pro­fundo, su­bli­nhar o que cons­titui hoje de va­lores e re­fe­rên­cias para um Por­tugal de­sen­vol­vido e so­be­rano que dé­cadas de po­lí­tica de di­reita tem con­tra­riado.

Por mais que re­es­crevam, Abril foi uma re­vo­lução, um mo­mento e um pro­cesso de rup­tura com o re­gime fas­cista. Não foi como al­guns afirmam uma «evo­lução» ou «tran­sição» entre re­gimes, mas sim o der­rube do fas­cismo e do que o su­por­tava, mesmo que bran­queado por via do eu­fe­mismo Es­tado Novo. Uma re­vo­lução que, na sequência do golpe mi­litar dos ca­pi­tães de Abril, teve no le­van­ta­mento po­pular e na ali­ança Povo-MFA a cri­ação das con­di­ções para a li­qui­dação da es­tru­tura sócio-eco­nó­mica mo­no­po­lista e la­ti­fun­diária em que o fas­cismo se ali­cer­çava.

Abril foi pos­sível porque é fruto de uma longa re­sis­tência an­ti­fas­cista, de uma ab­ne­gada de­di­cação à luta pela de­mo­cracia e li­ber­dade de co­mu­nistas e de ou­tros de­mo­cratas, de uma in­tensa luta de massas da classe ope­rária, da ju­ven­tude, do povo. Quando hoje con­fessos ini­migos da re­vo­lução, mesmo que en­fei­tados de cravo na la­pela, pro­clamam que o 25 de Abril «não tem donos» é bom lem­brar-lhes que Abril, sendo pa­tri­mónio do povo por­tu­guês, tem no ca­minho para a sua cons­trução obreiros con­cretos que o tor­naram re­a­li­zável.

O 25 de Abril, com o que trans­porta de de­mo­cracia e li­ber­dade, será para todos mas não é, como al­guns pre­tendem, «de todos». Abril não é dos que por ele foram der­ro­tados ou que hoje per­fi­lham o que esse re­gime re­pre­sen­tava, dos que contra ele cons­pi­raram e cons­piram, dos que ao longo de dé­cadas per­ver­teram e per­sistem em per­verter o seu al­cance.

Sim­bo­lismos e ra­suras

Quando se sa­li­enta, por sim­bo­lismo, que passa mais tempo desde o 25 de Abril de 1974 do que tempo de re­gime fas­cista, as­si­nala-se jus­ta­mente hoje uma re­a­li­dade que se con­trapõe aos anos ne­gros do fas­cismo. Mas im­porta su­bli­nhar que se a re­a­li­dade de Por­tugal, hoje, con­tinua a ter a marca da Re­vo­lução de Abril e de muitas das suas con­quistas, não é pos­sível amal­gamar, em nome do con­traste de «re­gimes», estes 48 anos de re­gime de­mo­crá­tico.

Não é pos­sível, sem adul­terar a his­tória e a re­a­li­dade, iludir a con­tras­tante di­mensão de um pe­ríodo de trans­for­ma­ções re­vo­lu­ci­o­ná­rias que abriram um ca­minho de pro­gresso e jus­tiça so­cial, de ele­vação das con­di­ções de vida e de efec­tivo pro­ta­go­nismo dos tra­ba­lha­dores e do povo nos des­tinos da vida do País, com todo um outro longo pro­cesso contra-re­vo­lu­ci­o­nário de res­tau­ração e re­cons­ti­tuição do poder mo­no­po­lista, de em­po­bre­ci­mento do re­gime de­mo­crá­tico, de ataque a fun­ções so­ciais, de pro­moção de me­ca­nismos de ex­plo­ração e de su­bor­di­nação ex­terna.

Quando hoje ou­vimos re­petir por aí a pro­pó­sito do 25 de Abril que o que fal­taria agora seria «fazer o que ainda não foi feito» per­cebe-se onde querem chegar. Não é o sen­tido mais avan­çado, justo e pro­gres­sista que as­piram ver re­to­mado, não é um país li­berto do poder de do­mi­nação dos grupos eco­nó­micos as­se­gu­rado por in­ter­postos re­pre­sen­tantes e não sub­me­tido à de­pen­dência e aos in­te­resses da União Eu­ro­peia que querem. O que as­piram é levar mais longe a con­cre­ti­zação dos seus pro­jectos de sub­versão do re­gime de­mo­crá­tico, de ver a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica ade­quada aos seus ob­jec­tivos de em­po­bre­ci­mento de­mo­crá­tico, aos seus dogmas li­be­rais e de livre pi­lhagem ca­pi­ta­lista.

O 25 de Abril vive no Por­tugal de­mo­crá­tico. A iden­ti­fi­cação dos jo­vens com Abril, que um es­tudo agora re­velou, tes­te­munha o valor que atri­buem à de­mo­cracia e à li­ber­dade que hoje usu­fruem pelo que este as­se­gurou. Ainda que a ofen­siva contra o que a Re­vo­lução de Abril legou no plano dos di­reitos e das trans­for­ma­ções sócio-eco­nó­micas, lhes es­teja a negar o fu­turo, a se­ques­trar a sua re­a­li­zação in­di­vi­dual e co­lec­tiva, a li­mitar o poder de de­cidir das suas vidas e dos seus pro­jectos em plena li­ber­dade. É por isso que Abril deve ser ce­le­brado a olhar para o fu­turo, pro­jec­tando as con­quistas e os va­lores que plasmou, con­vo­cando as ener­gias e ale­gria de viver na luta pela cons­trução de Por­tugal de­sen­vol­vido, de pro­gresso e so­be­rano.

“Avante!”, 31 de Março de 29022