A re­cente es­ca­lada do con­flito no Leste da Eu­ropa mo­tivou uma ex­pres­siva cor­rente de so­li­da­ri­e­dade para com as ví­timas, so­bre­tudo as mais vul­ne­rá­veis. Em grandes ac­ções como em pe­quenos gestos, são muitos os que se dis­po­ni­bi­lizam para ajudar e em es­colas, ser­viços de saúde ou au­tar­quias re­dobra-se es­forços para aco­lher os re­fu­gi­ados da forma mais digna pos­sível.

Des­con­tando pon­tuais hi­po­cri­sias, des­ca­radas au­to­pro­mo­ções e xe­nó­fobas dis­cri­mi­na­ções, esta so­li­da­ri­e­dade é, no es­sen­cial, ge­nuína. E co­mo­vente. Ti­vessem ou­tras guerras e dramas hu­ma­ni­tá­rios se­me­lhante atenção dos go­vernos e dos média oci­den­tais e seria cer­ta­mente muito mais ge­ne­ra­li­zado também o apoio aos povos do Iémen, da Síria, do Iraque, da Pa­les­tina, do Afe­ga­nistão, da So­mália e do pró­prio Don­bass, onde em oito anos de guerra mor­reram perto de 15 mil pes­soas. Como al­guém disse um dia, a so­li­da­ri­e­dade é a ter­nura dos povos.

Acon­tece que há poucas coisas mais fa­cil­mente ma­ni­pu­lá­veis do que as emo­ções e não falta quem, de ban­deira ama­rela e azul na la­pela, es­teja pre­o­cu­pado com tudo menos com a si­tu­ação hu­ma­ni­tária e a busca da paz, mas acima de tudo com ne­gó­cios mais ou menos obs­curos e in­con­fes­sados ob­jec­tivos po­lí­ticos, pró­prios ou alheios. E, in­fe­liz­mente, do que todos os dias so­bressai do seu dis­curso po­lí­tico e me­diá­tico é bem pouco o que se po­derá com­pa­ti­bi­lizar com essa so­li­da­ri­e­dade.

Tudo isto acon­selha, pois, a que a ela se alie al­guma cau­tela no modo como se ob­serva o con­flito e no que se de­fende para lhe pôr fim. Não vá o que de­veria ser uma sin­cera ajuda trans­formar-se em mais ga­so­lina para a fo­gueira.

Ser­virá re­al­mente ao povo ucra­niano toda a his­teria be­li­cista, os as­tro­nó­micos e cres­centes or­ça­mentos mi­li­tares e a des­lo­cação para a re­gião de ainda mais con­tin­gentes e ar­ma­mentos da NATO? Ou con­tri­buirão apenas para eter­nizar a guerra e es­treitar ainda mais as hi­pó­teses de diá­logo e ne­go­ci­ação?

Ser-lhe-ia fa­vo­rável a im­ple­men­tação da tão fa­lada zona de ex­clusão aérea, re­pe­ti­da­mente pe­dida por Ze­lensky, que com grande pro­ba­bi­li­dade re­dun­daria numa guerra de grandes pro­por­ções, quem sabe até nu­clear?

Be­ne­fi­ci­arão os ucra­ni­anos da glo­ri­fi­cação de forças xe­nó­fobas e nazi-fas­cistas, res­pon­sá­veis por he­di­ondos crimes e pelas pro­fundas di­vi­sões que marcam o país desde há anos? E ga­nharão com a pro­moção ge­ne­ra­li­zada do ódio contra os russos, com quem par­ti­lham uma longa his­tória e mi­lhares de qui­ló­me­tros de fron­teira?

Digam o que dis­serem os pro­mo­tores (e be­ne­fi­ciá­rios) desta e de ou­tras guerras, o que efec­ti­va­mente aju­dará o povo ucra­niano – como todos os povos – é a paz, a ne­go­ci­ação, o de­sa­nu­vi­a­mento, o de­sar­ma­mento. É esse o ca­minho que im­porta con­cre­tizar. E quanto mais cedo, me­lhor.

“Avante!”, 7 de Abril de 2022