No dia 9 de Março, na Co­reia do Sul, o can­di­dato do Par­tido do Poder Po­pular (PPP), Yoon Suk-yeol, foi eleito pre­si­dente por uma margem de cerca de 250 000 votos, qual­quer coisa como 0,73%, re­la­ti­va­mente ao can­di­dato li­beral Lee Jae-myung. A van­tagem ficou a dever-se ao voto de elei­tores ricos ca­ti­vados com a pro­messa de re­dução de im­postos, e a jo­vens ho­mens mi­só­ginos en­tu­si­astas da abo­lição do Mi­nis­tério da Igual­dade de Gé­nero e Fa­mília pro­me­tida por Yoon.

Ao que pa­rece, muitos jo­vens sul-co­re­anos con­si­deram que existe no país “dis­cri­mi­nação re­versa”, o que é no mí­nimo sur­pre­en­dente já que na Co­reia do Sul

as mu­lheres ga­nham 30% menos do que os ho­mens, a maior dis­pa­ri­dade sa­la­rial entre os 38 países da Or­ga­ni­zação para Co­o­pe­ração e De­sen­vol­vi­mento Eco­nó­mico, e a re­pre­sen­tação fe­mi­nina na As­sem­bleia Na­ci­onal não vai além dos 19%.

A cam­panha mi­só­gina chegou ao ex­tremo de mem­bros do PPP con­si­de­rarem o fe­mi­nismo “in­cons­ti­tu­ci­onal”, com­pa­rando-o ao ex­tre­mismo e ao fas­cismo. Se se tiver em conta que o Mi­nis­tério agora ame­a­çado apoia e fi­nancia vá­rios pro­gramas para mu­lheres, desde mães sol­teiras es­tig­ma­ti­zadas a ví­timas de crimes se­xuais, entre ou­tros, para além de ad­vogar uma maior am­pli­tude da de­fi­nição legal de fa­mília, per­cebe-se como a ameaça de re­tro­cesso ci­vi­li­za­ci­onal é um pe­rigo real, tanto mais que o novo pre­si­dente não se coíbe de de­fender o “papel tra­di­ci­onal” da mu­lher na fa­mília, no ca­sa­mento e na so­ci­e­dade.

Yoon, a quem a ge­ne­ra­li­dade dos media evita clas­si­ficar de di­reita, fi­cando-se pelo am­bíguo “con­ser­vador”, be­ne­fi­ciou do apoio da im­prensa (os cinco prin­ci­pais jor­nais do país são de di­reita), mas muito pro­va­vel­mente a sua vi­tória não teria sido pos­sível sem a tec­no­logia de de­ep­fake (uso de in­te­li­gência ar­ti­fi­cial para criar ví­deos falsos, mas re­a­listas) que criou o avatar ‘IA Yoon’. Este se­nhor ele­gante, pa­re­cido com o ver­da­deiro Yoon mas capaz de res­posta pronta e sen­tido de humor, atraiu a atenção dos elei­tores mais jo­vens e con­se­guiu mi­lhões de vi­su­a­li­za­ções desde a sua es­treia na pá­gina ofi­cial do can­di­dato, no início do ano. Con­ce­bido para res­ponder na hora ao mais va­riado tipo de per­guntas – o ver­da­deiro Yoon gravou cerca de 20 horas de áudio e vídeo para for­necer dados su­fi­ci­entes – o avatar tornou-se um caso de su­cesso.

A equipa de jo­vens que criou o pri­meiro can­di­dato de­ep­fake ofi­cial da his­tória acertou em cheio no alvo ao tornar ‘IA Yoon’ o can­di­dato mais po­pular na faixa entre 20 e 30 anos. A ló­gica do sis­tema fez o resto, com as po­si­ções do avatar a fazer man­chetes nos ór­gãos de co­mu­ni­cação so­cial, o que por sua vez levou mais gente ao sítio Wiki Yoon para ques­ti­onar o avatar.

As boas almas podem dormir des­can­sadas. Yoon pro­mete in­ten­si­ficar a co­o­pe­ração com os EUA, de­sig­na­da­mente na ver­tente mi­litar.

“Avante!”, 17 de Março de 2022