Arthur Pon­sonby (1871-1946) foi um aris­to­crata in­glês com um per­curso pe­cu­liar. Nas­cido no pró­prio cas­telo de Windsor, es­tudou em Eton e Ox­ford e se­guiu a car­reira di­plo­má­tica. Até aqui tudo normal, não fosse ter-se oposto fir­me­mente à en­trada da Grã-Bre­tanha na Pri­meira Guerra Mun­dial e jun­tado ao Par­tido Tra­ba­lhista (que, é bom ter pre­sente, pouco ou nada tem em comum com o ac­tual).

Da sua in­tensa e di­ver­si­fi­cada mi­li­tância pela paz, Lord Pon­sonby é so­bre­tudo lem­brado por ter de­ci­frado dez prin­cí­pios ele­men­tares da pro­pa­ganda de guerra, que ob­servou du­rante a car­ni­fi­cina im­pe­ri­a­lista de 1914-1918: 1) Nós não que­remos a guerra; 2) O campo ad­ver­sário é o único res­pon­sável pela guerra; 3) O ini­migo tem o rosto do Diabo; 4) De­fen­demos uma causa nobre e não in­te­resses; 5) O ini­migo pro­voca cons­ci­en­te­mente atro­ci­dades; se nós co­me­temos erros, é in­vo­lun­ta­ri­a­mente; 6) O ini­migo usa armas não au­to­ri­zadas; 7) So­fremos muito poucas perdas, as perdas do ini­migo são enormes; 8) Os ar­tistas e in­te­lec­tuais apoiam a nossa causa; 9) A nossa causa tem um ca­rácter sa­grado; 10) Os que põem em dú­vida a pro­pa­ganda são trai­dores.

Mais de um sé­culo pas­sado, é di­fícil não lhes re­co­nhecer ac­tu­a­li­dade e não iden­ti­ficar, nos vá­rios con­flitos tra­vados nas úl­timas dé­cadas, a sua pro­fusa uti­li­zação.

Mas fi­xemo-nos nesse con­tur­bado início do sé­culo XX – pois co­nhe­cemos o seu trá­gico des­fecho – e olhemos com es­pe­cial atenção para o dé­cimo e úl­timo destes prin­cí­pios.

Nesse tempo, mar­cado pela his­teria be­li­cista, havia em todos os países quem se opu­sesse à guerra, de­nun­ci­ando os in­te­resses que servia, mo­bi­li­zando para a de­fesa da paz, apon­tando ca­mi­nhos de ne­go­ci­ação, de­sa­nu­vi­a­mento e de­sar­ma­mento: foram, na sua mai­oria, acu­sados de traição e co­la­bo­ração com o ini­migo. A im­prensa ofi­cial, já então tra­ves­tida de «in­de­pen­dente» e «ri­go­rosa», lançou sobre eles toda a es­pécie de aná­temas. As au­to­ri­dades per­se­guiram ac­ti­vistas, cen­su­raram pu­bli­ca­ções, vi­gi­aram (e proi­biram) or­ga­ni­za­ções. Em França, no auge da his­teria mi­li­ta­rista, o di­ri­gente ope­rário Jean Jaurés foi as­sas­si­nado por um mi­li­tante na­ci­o­na­lista pela sua opo­sição à guerra.

Co­nhe­cemos o resto da his­tória, que, é sa­bido, não se re­pete. Nos campos de ba­talha aca­baram mais de 10 mi­lhões de vidas, jo­vens na sua mai­oria, que se mas­sa­craram em nome de in­te­resses que não eram os seus. Ca­ladas as armas, o saque be­ne­fi­ciou os po­de­rosos do campo ven­cedor, que não dis­pa­raram um único tiro. Já os so­bre­vi­ventes da car­ni­fi­cina, de ambos os lados, ti­veram na sua mai­oria de lutar – e muito – para ten­tarem sair da sua mi­se­rável con­dição.

A lição, essa, foi então apren­dida da forma mais di­fícil e Jaurés dá hoje o nome a ruas, ave­nidas e praças um pouco por toda a França.

“Avante!”, 10 de Março de 2022