A hi­po­crisia anda à solta.

Cri­ti­cando a in­ter­venção russa na Ucrânia, Joe Biden re­a­firmou o seu apego ao di­reito in­ter­na­ci­onal, o mesmo que as tropas do seu país es­pe­zi­nham nas zonas ile­gal­mente ocu­padas do Norte da Síria ou nos bom­bar­de­a­mentos na So­mália, os úl­timos há poucos dias. De­fende a li­ber­dade dos povos es­co­lherem o seu ca­minho, en­quanto re­força cri­mi­nosos e ile­gais blo­queios contra Es­tados que não se sub­metem aos seus di­tames. Fala na so­be­rania da Ucrânia, mas tem como sub­se­cre­tária de Es­tado a mesma Vic­toria Nu­land que, em 2014, foi apa­nhada numa es­cuta (di­vul­gada pela BBC!) a de­cidir, jun­ta­mente com o então em­bai­xador norte-ame­ri­cano em Kiev, a com­po­sição do go­verno que sairia da cha­mada re­vo­lução de Maidan. So­li­da­riza-se com o povo ucra­niano, mas não he­sita – como não he­sitou – em lançá-lo em aven­turas be­li­cistas para servir in­te­resses em tudo alheios aos seus.

Também Is­rael con­dena a ini­ci­a­tiva russa, con­si­de­rando-a uma «vi­o­lação da ordem mun­dial». Isto vindo do Es­tado que mais re­so­lu­ções das Na­ções Unidas des­res­peitou por ocupar ile­gal­mente, há dé­cadas, ter­ri­tó­rios sí­rios e pa­les­ti­ni­anos. E que nestes úl­timos impõe um re­gime de apartheid, ex­pulsa po­pu­la­ções árabes dos seus bairros e al­deias, mantém presos cen­tenas de me­nores e com frequência bom­bar­deia zonas re­si­den­ciais.

Já o se­cre­tário-geral da NATO re­a­firmou o com­pro­misso com «todos os prin­cí­pios fun­da­men­tais que sus­tentam a se­gu­rança eu­ro­peia», es­que­cendo-se de re­ferir que os su­ces­sivos alar­ga­mentos da NATO, a pro­li­fe­ração de bases mi­li­tares e a ins­ta­lação de mís­seis no Leste da Eu­ropa vi­olam acordos es­ta­be­le­cidos e con­tri­buíram de­ci­si­va­mente para a re­cente es­ca­lada de con­fron­tação.

Nas ins­ti­tui­ções da União Eu­ro­peia la­menta-se o «re­gresso da guerra à Eu­ropa», mas oculta-se que ela não co­meçou agora e apaga-se res­pon­sa­bi­li­dades pró­prias neste des­fecho – com o apoio a forças rus­só­fobas, xe­nó­fobas e ne­o­nazis e a cum­pli­ci­dade face ao con­flito no Don­bass (res­pon­sável por 15 mil mortes) e ao rei­te­rado des­res­peito pelos acordos de Minsk.

Por cá, de vá­rias áreas sur­giram de­fen­sores da pazde úl­tima hora, os mesmos que sau­daram com en­tu­si­asmo as agres­sões dos EUA e da NATO à Ju­gos­lávia, ao Iraque, ao Afe­ga­nistão, à Líbia ou à Síria e que, como bons in­cen­diá­rios, re­clamam mais NATO, mais armas, mais pressão a Leste. Ou seja, mais da­quilo que nos trouxe até aqui.

Estes hi­pó­critas estão dis­postos a sa­cri­ficar até ao úl­timo ucra­niano na sua cru­zada, que atin­girá em pri­meiro lugar esse mar­ti­ri­zado povo.

Por isso, tudo farão para de­sa­cre­ditar os que, como o PCP, estão onde sempre es­ti­veram: do lado da paz, do de­sar­ma­mento, da so­lução ne­go­ciada dos con­flitos, da le­ga­li­dade in­ter­na­ci­onal, dos di­reitos dos povos. Na Ucrânia como em todo o mundo.

“Avante!”, 3 de Março de 2022