O re­co­nhe­ci­mento por Mos­covo da so­be­rania das re­giões de Luhansk e Do­netsk ori­ginou ve­e­mentes pro­testos da União Eu­ro­peia e dos EUA. In­vocam a vi­o­lação dos acordos de Minsk, nunca im­ple­men­tados, e, o que é de­li­rante, do di­reito in­ter­na­ci­onal, prenhe de vi­o­la­ções aceites por ambos, desde a ocu­pação turca do Norte de Chipre à ane­xação da Pa­les­tina e dos Montes Golã por Is­rael, da in­de­pen­dência do Ko­sovo à ocu­pação de Guan­ta­namo pelos EUA ou das Mal­vinas pela In­gla­terra, o bom­bar­de­a­mento da Sérvia pela NATO, as in­va­sões do Iraque, Líbia, Síria, Afe­ga­nistão, o blo­queio im­posto pelos EUA a Cuba desde 1962, etc., etc.

A re­tó­rica es­conde que não se trata já de con­fronto entre di­fe­rentes sis­temas. Acos­sada pelas “re­vo­lu­ções co­lo­ridas” or­ques­tradas pelo Oci­dente no es­paço pós-so­vié­tico, que ins­ta­laram no poder lí­deres pró-oci­den­tais, e pelo im­pa­rável alar­ga­mento da NATO a Leste, a Rússia ca­pi­ta­lista re­agiu ao golpe de Kiev em 2014 com a ane­xação da Cri­meia e o apoio aos in­de­pen­den­tistas de Do­netsk e Lu­gansk. Um pre­texto para a im­po­sição de san­ções eco­nó­micas e novo re­forço do dis­po­si­tivo bé­lico nas fron­teiras oci­den­tais russas, se­guindo as re­co­men­da­ções da RAND Cor­po­ra­tion, um grupo de re­flexão sobre po­lí­tica global criado pelo De­par­ta­mento de Guerra dos EUA, que em do­cu­mento re­cente acon­selha que a po­lí­tica face a Mos­covo as­sente, de­sig­na­da­mente, no re­forço da pre­sença mi­litar da NATO no Leste da Eu­ropa para “obrigar a Rússia a uma dis­pen­diosa cor­rida aos ar­ma­mentos”, na im­po­sição de san­ções pro­pi­ci­ando a venda de gás ame­ri­cano à Eu­ropa, na in­ter­venção po­lí­tica na Bi­e­lor­rússia e nos países vi­zi­nhos da Rússia no Cáu­caso e na Ásia Cen­tral, no for­ne­ci­mento de armas à Ucrânia, na rus­so­fobia.

En­tre­tidos na de­mo­ni­zação da Rússia, os de­fen­sores dos ditos va­lores oci­den­tais des­curam um facto que pode re­velar-se fatal: a Ucrânia tornou-se um la­bo­ra­tório para a ex­trema-di­reita. Não é ne­nhum se­gredo: o Pú­blico de­nun­ciou-o em 2020, dando a pa­lavra a Jason Bla­zakis, in­ves­ti­gador as­so­ciado no Soufan Center e di­rector do Centro sobre Ter­ro­rismo, Ex­tre­mismo e Con­tra­ter­ro­rismo, na Ca­li­fórnia, EUA: “A Ucrânia é a porta das tra­seiras para a União Eu­ro­peia no que à ex­trema-di­reita diz res­peito, e a ameaça é muito grande. Os in­di­ví­duos re­cebem treino nos campos de ba­talha ucra­ni­anos e de­pois re­gressam aos seus países de origem”. Num re­la­tório de 2019, o Soufan Center era ta­xa­tivo. “Tal como os jiha­distas usaram con­flitos no Afe­ga­nistão, Tchet­chénia, Balcãs, Iraque e Síria para me­lho­rarem as tác­ticas, téc­nicas e pro­ce­di­mentos e so­li­di­fi­carem as suas redes in­ter­na­ci­o­nais, também os ex­tre­mistas de di­reita estão a usar a Ucrânia como la­bo­ra­tório de campo de ba­talha”. A besta en­gorda.

“Avante!”, 24 de Fevereiro de 2022