A “cerca anti-mi­grante” que a Hun­gria er­gueu em 2015 para conter os re­fu­gi­ados oriundos da Sérvia e da Croácia, a fugir da guerra e da po­breza, não teve o apoio de Bru­xelas: em 2017 a UE re­jeitou o pe­dido do pri­meiro-mi­nistro Viktor Orbán para ser res­sar­cido em me­tade dos custos da obra a pre­texto de que a mi­gração ilegal tinha sido pra­ti­ca­mente eli­mi­nada. Era o tempo da re­tó­rica contra os muros, ex­cepto o de Is­rael na Pa­les­tina ocu­pada, tema tabu.

Orbán sentiu-se in­jus­ti­çado, e com razão. Quatro anos pas­sados, 12 es­tados-mem­bros, in­cluindo a Po­lónia, Li­tuânia e Le­tónia, es­cre­veram à Co­missão Eu­ro­peia ins­tando-a a fi­nan­ciar, “adi­ci­onal e ade­qua­da­mente”, como uma “questão pri­o­ri­tária”, as bar­reiras fí­sicas nas fron­teiras da União. A ini­ci­a­tiva foi bem aco­lhida por Man­fred Weber, pre­si­dente do grupo PPE, o maior grupo do Par­la­mento Eu­ropeu, para quem os países que pedem apoio para os muros “devem ser ou­vidos”.

A Li­tuânia não es­perou pela res­posta. No Verão pas­sado ini­ciou a cons­trução de uma “ve­dação” ao longo dos 508 qui­ló­me­tros de fron­teira com a Bi­e­lor­rússia, com um custo es­ti­mado de 152 mi­lhões de euros. A co­mis­sária eu­ro­peia Ylva Johansson, de vi­sita ao local, achou a obra “uma boa ideia”, re­portou The Baltic Times.

Em Ja­neiro úl­timo foi a vez da Po­lónia co­meçar um muro na sua fron­teira com a Bi­e­lor­rússia: terá cinco me­tros e meio de al­tura, 186 qui­ló­me­tros de com­pri­mento, câ­maras e sen­sores de mo­vi­mento, deve estar pronto em Junho e custar 350 mi­lhões de euros.

A “ne­ces­si­dade” de muros, que também foram er­guidos na Grécia, em Ca­lais e na Bul­gária (com a Tur­quia), já não sus­cita in­dig­nação e nin­guém pa­rece es­tra­nhar que sejam os países de trân­sito que os es­tejam a er­guer. A re­tó­rica da UE aberta aos va­lores do hu­ma­nismo e da so­li­da­ri­e­dade perdeu gás, e se é ver­dade que a pre­si­dente da Co­missão Eu­ro­peia, Ur­sula von der Leyen, re­cusou o pe­dido de fi­nan­ci­a­mento para arame far­pado e muros, não é menos ver­dade que os países de des­tino, caso da Ale­manha, In­gla­terra, países nór­dicos, não são es­pec­ta­dores ino­centes. De­pois dos acordos com a Tur­quia, que in­cluem o pa­ga­mento de mi­lhares de mi­lhões de euros ao go­verno de Er­dogan para a con­tenção dos re­fu­gi­ados, a UE faz vista grossa aos muros que em tudo vi­olam a Con­venção de Ge­nebra.

Mais do que a sua efec­tiva im­por­tância, está em causa o sim­bo­lismo dos muros. E o que eles nos dizem é que os ou­tros, no caso os re­fu­gi­ados, quase todos sí­rios, lí­bios, ira­qui­anos, afe­gãos, fu­gidos de guerras que têm no mí­nimo a co­ni­vência da UE, são uma ameaça ao nosso bem-estar que é pre­ciso conter. Co­meça-se sempre por pe­quenas coisas. O bu­sílis, como se está a ver, é que crescem.

“Avante!”, 3 de Fevereiro de 2022