Um ano de­pois do vi­o­lento as­salto ao Ca­pi­tólio ins­ti­gado por Do­nald Trump, os res­pon­sá­veis pelo golpe de Es­tado – não há outra clas­si­fi­cação para a ten­ta­tiva de der­rubar um go­verno eleito, em­bora pa­reça que pôr o nome aos bois cause en­gu­lhos a muita gente – um ano de­pois, dizia, o golpe con­tinua, mas agora em slow mo­tion.

Nos EUA está em marcha um pro­jecto que visa ga­rantir que o con­trolo das co­mis­sões elei­to­rais lo­cais e es­ta­duais, a res­trição do di­reito de voto e a pos­si­bi­li­dade de al­terar “le­gal­mente” o voto dos elei­tores.

A si­tu­ação foi abor­dada há dias por Noam Chomsky, lin­guista e fi­ló­sofo in­ter­na­ci­o­nal­mente re­co­nhe­cido como um dos mais im­por­tantes in­te­lec­tuais vivos, que em en­tre­vista ao jornal El País afirma que o “Par­tido Re­pu­bli­cano já não é um par­tido po­lí­tico, é um par­tido ne­o­fas­cista”, que os “EUA são uma so­ci­e­dade avan­çada tec­no­ló­gica e cul­tu­ral­mente, mas que é pré-mo­derna nou­tros sen­tidos”, e que a “de­mo­cracia ame­ri­cana corre um grave pe­rigo”.

An­te­ri­or­mente, numa en­tre­vista pu­bli­cada ori­gi­nal­mente no sítio ‘Truthout’, Chomsky su­bli­nhou que «[nos es­tados de mai­oria re­pu­bli­cana] tudo está a ser feito aber­ta­mente, não só não é feito às es­con­didas como é or­gu­lho­sa­mente anun­ciado pelos seus pro­mo­tores. Tudo tem sido re­gu­lar­mente no­ti­ciado, para que nin­guém, com su­fi­ci­ente in­te­resse para prestar atenção à cena po­lí­tica norte-ame­ri­cana, possa deixar de per­ceber”. A pro­pó­sito, re­fere uma no­tícia da As­so­ci­ated Press dando conta como o Par­tido Re­pu­bli­cano está a levar a cabo uma “in­sur­reição em câ­mara lenta” e se tornou “uma força an­ti­de­mo­crá­tica”, o que “nunca tinha acon­te­cido na po­lí­tica norte-ame­ri­cana”.

O que está a su­ceder nos EUA é tão grave que o pres­ti­giado fi­ló­sofo vai ao ponto de afirmar que, se o país se can­di­da­tasse para se tornar membro da UE, “pro­va­vel­mente seria re­jei­tado por não sa­tis­fazer as normas de­mo­crá­ticas”. Per­tur­bador, tendo em conta como são elás­ticas as normas da União Eu­ro­peia, como atestam os di­versos casos de cres­cente fas­ci­zação a que Bru­xelas fecha os olhos.

As ques­tões que esta si­tu­ação le­vanta não estão a re­ceber a de­vida atenção, mesmo tendo em conta que a ge­ne­ra­li­dade dos po­deres ins­ta­lados na Eu­ropa presta vas­sa­lagem a Washington. Como a ex­pe­ri­ência já de­mons­trou e Chomsky volta a lem­brar, “Trump é um de­ma­gogo que soube agitar os ve­nenos que correm sob a su­per­fície da so­ci­e­dade norte-ame­ri­cana e trazê-los à tona. Agora há um grupo que o ve­nera como a um Duce II [re­fe­rência a Mus­so­lini] eleito por Deus”.

Há ou­tros Trumps por aí a agitar ve­nenos que também não es­condem ao que vêm. Se dei­xarmos chegam lá, mesmo em câ­mara lenta.

“Avante!”, 20 de Janeiro de 2022