Desde o de­bate do Or­ça­mento do Es­tado, e à me­dida que ia fi­cando claro que a pro­posta do Go­verno seria chum­bada, in­ten­si­ficou-se a dra­ma­ti­zação em torno do re­gresso da di­reita ao poder e do cres­ci­mento da ex­trema-di­reita. Se­gundo esta ló­gica, abra­çada pelo PS e por sec­tores po­lí­ticos, eco­nó­micos e me­diá­ticos di­versos (muitos dos quais in­sus­peitos de qual­quer an­ti­patia por essa mesma di­reita, mais ou menos ex­trema), ao não aprovar o Or­ça­mento, qual­quer que ele fosse, o PCP – e apa­ren­te­mente só ele – es­taria a abrir a porta à di­reita.

Acon­tece que este ra­ci­o­cínio, se assim o pu­dermos chamar, tem tantas fa­lhas que até se torna di­fícil es­co­lher por onde co­meçar a des­montá-lo.

Para fa­ci­litar, dei­xemos de lado as vi­ti­mi­za­ções do PS, que age como se nada ti­vesse a ver com o des­fecho da vo­tação e até com as op­ções con­tidas na pro­posta de Or­ça­mento do Es­tado, e também aquela ten­dência tão em voga de tomar pro­jec­ções (ou de­sejos) por re­sul­tados elei­to­rais, que como é sa­bido só serão co­nhe­cidos na noite de 30 de Ja­neiro. E não nos es­ten­damos muito a cons­tatar o óbvio: o PCP nada tem a provar em termos de com­bate à di­reita e à ex­trema-di­reita, e não nos re­fe­rimos apenas aos 48 anos de luta contra o fas­cismo, grande parte dos quais pra­ti­ca­mente só.

Pros­si­gamos, pois, sem qual­quer in­tenção de sim­pli­ficar o que é di­fícil, mas com a cer­teza de que não se com­bate a di­reita ali­nhando com ela em ques­tões es­sen­ciais, que a de­finem – dos sa­lá­rios con­tidos à pre­ca­ri­e­dade sem freios, da li­be­ra­li­zação dos mer­cados à des­truição do SNS, da Se­gu­rança So­cial, da Es­cola Pú­blica, da so­bre­carga fiscal para a mai­oria aos es­can­da­losos be­ne­fí­cios con­ce­didos a um pu­nhado de po­de­rosos. Da mesma forma que não se trava a ex­trema-di­reita ce­dendo à sua agenda, de­ba­tendo no ter­reno e nos termos por ela es­co­lhidos, res­pon­dendo a cada uma das suas pro­vo­ca­ções. Aju­dando, assim, os que a co­locam onde ela mais de­seja estar: no centro das aten­ções, a ditar os temas, as pre­o­cu­pa­ções, os alvos; ou seja, a di­fundir com ge­ne­rosa co­ber­tura me­diá­tica o seu te­ne­broso pro­jecto de re­tro­cesso ci­vi­li­za­ci­onal.

Tudo ao gosto, por­tanto, da­queles a quem serve a di­reita, qual­quer que ela seja, mais mo­de­rada ou ra­dical, as­su­mida ou pin­tada de ou­tros tons.

O que a vida e a his­tória mos­tram é que a porta se fecha à di­reita na exacta me­dida em que se con­trarie as in­jus­tiças e as de­si­gual­dades de que ela se ali­menta, se res­ponda aos graves pro­blemas so­ciais exis­tentes, se afirme e – unindo e mo­bi­li­zando – se cons­trua al­ter­na­tivas de pro­gresso e jus­tiça so­cial.

Este é o com­bate dos co­mu­nistas. Quem se junta para o re­forçar?

“Avante!”, 13 de Janeiro de 2022