Tran­sitam por aí os que, par­ti­dá­rios da tese con­for­mista de que ricos e po­bres sempre houve, sus­ten­tados na im­ba­tível cons­ta­tação de que se assim al­guém criou o mundo, assim o mundo há-de ficar, vêem nessa sen­te­ci­ação a apó­lice ro­busta para manter pri­vi­lé­gios e, so­bre­tudo, fa­ci­litar essa in­de­se­jável mis­tura entre os que podem e os que não têm. Cada ma­caco no seu galho, de pre­fe­rência em ár­vores di­fe­rentes.

Em regra os que assim pensam são os que ex­pli­ci­ta­mente, ou não, te­o­rizam sobre «li­ber­dade de es­colha» com aqueles ti­ques de pro­fun­di­dade aca­dé­mica sob a a qual se es­conde o mais bá­sico pen­sa­mento se­gundo o qual «quem tem “massa” es­colhe»! Assim se com­pre­ende que lhes faça con­fusão que tendo eles o que podem e querem ter, o Es­tado as­se­gure a todos o que a todos de­veria ser de­vido. Não vá o clube eli­tista e fi­nório da nossa praça ver a sua voz es­que­cida e aí ti­vemos os textos de Mi­guel Sousa Ta­vares e as afir­ma­ções de Co­trim Fi­guei­redo, ambos no Ex­presso, para não deixar por mãos alheias o que só mãos ape­ral­tadas podem in­vocar.

O pri­meiro, zur­zindo nesse des­pau­tério da ida dos por­tu­gueses aos ser­viços de saúde hos­pi­ta­lares, inun­dando as ur­gên­cias por um qual­quer «vó­mito, dor de ca­beça, ou mal estar», apre­sen­tada como «his­te­rismo hi­po­con­dríaco» e, so­bre­tudo, factor de um des­pe­sismo com gastos de saúde que o aflige. Dei­xando de lado con­si­de­ra­ções sobre a re­lação entre sin­to­ma­to­logia e se­ve­ri­dade de do­ença, se MST vi­vesse no mundo em que a ge­ne­ra­li­dade vive, per­ce­beria que a «Ur­gência» é para muitos o re­curso na as­sis­tência de que pre­cisam, tendo em conta di­fi­cul­dades que o SNS en­frenta por razão do ataque a que tem sido su­jeito e da es­tra­tégia de fa­vo­re­ci­mento dos grupos eco­nó­micos. Aliás, só os que pre­en­chem esse lote de gente rica e fina que puxam do seu se­guro de saúde ou da car­teira para a exi­birem nos grupos pri­vados são alheios a esta re­a­li­dade.

O se­gundo, do alto do seu li­be­ra­lismo e da cul­ti­vada pose eli­tista, pro­cla­mando que se da parte do PSD houver «mais li­ber­dade na edu­cação e na saúde», leia-se, menos SNS, mais perto es­tará de um acordo com esse par­tido. Quase cinco dé­cadas de­pois, há quem não se con­forme com Abril e o que ele trans­portou de di­reitos fun­da­men­tais, quem não su­porte uma Es­cola Pú­blica e um Ser­viço Na­ci­onal de Saúde que trate por igual todos os por­tu­gueses.

Em ca­beça de gente fina e rica é coisa que não oen­caixa.

“Avante!”, 13 de Janeiro de 2022