Mas que se passa? Como se ex­plica o atraso no de­sen­vol­vi­mento das ac­ti­vi­dades des­por­tivas, sob as suas di­fe­rentes formas, neste país eu­ropeu, nos fi­nais do pri­meiro quartel do sé­culo XXI? Como se ex­plica o au­mento de cerca de mais de 10 por cento, de 2009 para 2017 (Eu­ro­ba­ró­me­tros Es­pe­ciais da ac­ti­vi­dade fí­sica, 55 para 68 por cento) da­queles que afirmam que nunca pra­ti­caram, muito pro­va­vel­mente agora ainda mais nu­me­rosos de­vido à pan­demia, tendo Por­tugal fi­cado sempre nos úl­timos lu­gares da es­ta­tís­tica de pra­ti­cantes eu­ro­peus?

Como se ex­plica que Por­tugal (56.º) tenha fi­cado nos Jogos Olím­picos do Verão pas­sado atrás de vá­rios países eu­ro­peus, que são seus «na­tu­rais» con­cor­rentes – Grécia (36.º), Áus­tria (53.º), Suécia (23.º), Sérvia (27.º), Ir­landa (39.º), Croácia (26.º) –, quando todos eles ti­nham fi­cado pior clas­si­fi­cados do que a equipa por­tu­guesa nos Jogos Olím­picos de Pe­quim, em 2008? Como se pode ex­plicar que o País tenha ob­tido o 23.º lugar nos Jogos Olím­picos de 1984 (Los An­geles), que é na re­a­li­dade o me­lhor re­sul­tado ob­tido desde sempre, para agora ficar em 56.º – fal­sa­mente con­si­de­rado de­ma­go­gi­ca­mente como o me­lhor, com o ob­jec­tivo de ca­mu­flar a si­tu­ação real do des­porto na­ci­onal, isto sem se con­si­derar que sem a me­dalha do atleta Pri­chardo (que nada deve ao des­porto por­tu­guês), a equipa por­tu­guesa fi­caria em 72.º lugar, ou seja, no an­te­pe­núl­timo na clas­si­fi­cação dos países me­da­lhados? E como ex­plicar que Por­tugal ocupe a 68.ª po­sição em nú­mero total de me­da­lhas ga­nhas nos Jogos Olím­picos (28)?

Du­rante o tempo da velha se­nhora, ou seja, du­rante o fas­cismo, a ex­pli­cação uti­li­zada para jus­ti­ficar este atraso con­sistia em afirmar que os por­tu­gueses eram uma «raça» que não pos­suía dons na­tu­rais para serem cam­peões. Além disso, não ti­nham a per­sis­tência, força de von­tade, dis­ci­plina e es­pí­rito de sa­cri­fício in­dis­pen­sá­veis para o serem. É claro que esse tipo de ba­lelas foi eli­mi­nado pelo con­junto de ex­tra­or­di­ná­rios cam­peões sur­gidos após o 25 de Abril de 1974, ainda que com­pe­tindo numa si­tu­ação de enorme des­van­tagem em re­lação aos seus ad­ver­sá­rios, de­vido às mais do que pre­cá­rias con­di­ções em que se pre­pa­ravam.

To­davia, pelos idos do início deste sé­culo, um re­la­tório sobre a si­tu­ação das prá­ticas, jus­ti­fi­cava o baixo nú­mero de ade­sões, quei­xando-se que os por­tu­gueses «não ti­nham von­tade de pra­ticar». Re­petia-se, assim, o velho cho­ra­dinho da qua­li­dade in­fe­rior da «raça» por­tu­guesa, em re­lação aos seus con­tem­po­râ­neos eu­ro­peus.

Se nos de­bru­çarmos, com um mí­nimo de rigor e sem des­culpas des­res­pon­sa­bi­li­za­doras, ve­ri­fica-se que a origem destes atrasos tem uma razão de ser de ca­rácter his­tó­rico, cul­tural, edu­ca­tivo e so­cial.

Desde há muito que o corpo foi au­ten­ti­ca­mente di­a­bo­li­zado, como fonte do pe­cado, no má­ximo con­si­de­rado como o su­porte da alma (o cé­lebre «mente sã em corpo são»). O pre­con­ceito an­ti­cul­tural do des­porto, ainda há pouco tempo atrás levou um jor­na­lista de ga­ba­rito a per­guntar que valor cul­tural teria o des­porto em re­lação, por exemplo, a um quadro de Ru­bens. É claro que o dito jor­na­lista além de não saber o que é a cul­tura, também evi­den­ciava um claro pre­con­ceito contra o des­porto.

Nas es­colas, o des­porto só con­se­guiu pe­ne­trar na dé­cada de se­tenta do sé­culo pas­sado, pois era con­si­de­rado por mé­dicos e res­pon­sá­veis edu­ca­tivos como anti-edu­ca­tivo e pre­ju­di­cial para a saúde. Era, por isso, me­ra­mente to­le­rado pelo Sis­tema Edu­ca­tivo, coisa que, por mais es­tranho que pa­reça, con­tinua a acon­tecer, sendo olhado com grande des­con­fi­ança.

Do ponto de vista so­cial, a questão as­sume uma gra­vi­dade es­pe­cial na me­dida em que a mai­oria da po­pu­lação não possui meios para poder en­frentar os custos da edu­cação des­por­tiva dos seus fi­lhos, nem tem posses e tempo para os pais se de­di­carem a qual­quer tipo de prá­tica. En­tre­tanto, ve­ri­ficam-se dois as­pectos: em pri­meiro lugar são as pes­soas das ca­madas mais des­pro­te­gidas que, em termos de saúde, in­te­gração e so­ci­a­li­zação, mais pre­cisam dessa prá­tica. Em se­gundo lugar, a te­oria ne­o­li­beral de que são os in­di­ví­duos que, por si pró­prios, devem as­sumir a res­pon­sa­bi­li­dade para a con­cre­ti­zarem na sua vida, leva à ex­clusão de todos aqueles que não pos­suem meios para tal, sendo eles a mai­oria da po­pu­lação.

“Avante!”, 6 de Janeiro de 2022