A de­tenção de João Ren­deiro na África do Sul deu azo nos úl­timos dias a um fre­nesim me­diá­tico que teve o condão, muito opor­tuno, de resto, de ofuscar os ele­fantes na sala da (des)in­for­mação global.

Fo­ra­gido há cerca de três meses, Ren­deiro foi apa­nhado em Durban, num hotel de luxo que as te­le­vi­sões fi­zeram o favor de mos­trar ad nau­seam, como se fosse de es­pantar que um ex-ban­queiro per­se­guido por meter a mão na massa uti­li­zasse o ilí­cito ren­di­mento em opu­lentas mor­do­mias. Sur­presa seria se Ren­deiro ti­vesse tido a ar­gúcia de se dis­farçar de pobre, ou de re­me­diado que fosse, con­tra­tado uns fi­gu­rantes para lhe ser­virem de fa­mília e alu­gado um T3 na pe­ri­feria da ci­dade, usu­fruindo dis­cre­ta­mente das co­mo­di­dades que o di­nheiro pode com­prar. Teria di­fi­cul­tado o tra­balho às au­to­ri­dades; afinal, há mais bairros po­pu­lares do que re­sorts

In­capaz de fugir ao sen­sa­ci­o­na­lismo e ainda es­tu­pe­facta por a efi­ci­ente acção po­li­cial que levou à de­tenção ter de­cor­rido sem fugas de in­for­mação, a ge­ne­ra­li­dade dos media do sis­tema trans­formou um caso de po­lícia numa te­le­no­vela me­xi­cana, sem des­primor, e não he­sitou em me­nos­prezar a de­on­to­logia pro­fis­si­onal para mos­trar o per­se­guido «apa­nhado pela po­lícia, de pi­jama, num hotel-bou­tique», como no­ti­ciou uma es­tação de te­le­visão.

En­quanto isso, na Velha Al­bion, um tri­bunal au­to­rizou a ex­tra­dição de Ju­lian As­sange para os EUA, acu­sado de es­pi­o­nagem por ter di­vul­gado mais de 700 mil do­cu­mentos con­fi­den­ciais re­ve­la­dores de abusos e vi­o­la­ções de di­reitos hu­manos pelas forças norte-ame­ri­canas no âm­bito das guerras no Iraque e Afe­ga­nistão.

Apesar de ainda re­cen­te­mente terem vindo a pú­blico planos das au­to­ri­dades norte-ame­ri­canas para as­sas­sinar o fun­dador da Wi­ki­leaks, os juízes bri­tâ­nicos dizem-se «sa­tis­feitos» com as «ga­ran­tias» dadas por Washington de que não o irão con­finar numa prisão de alta se­gu­rança. A con­fi­ança é uma coisa muito bo­nita.

Sob o signo da con­fi­ança re­a­lizou-se a dita Ci­meira da De­mo­cracia pro­mo­vida por Joe Biden. O pre­si­dente dos EUA con­vidou quem en­tendeu para o en­contro vir­tual, como se sabe o mais de­mo­crá­tico mé­todo de es­colha. A cen­tena de par­ti­ci­pantes não se ques­ti­onou, num se­gui­dismo cego, e os co­men­ta­dores dis­pen­saram-se de clas­si­ficar o as­sunto, o que fica sempre bem entre amigos. Tudo em prol dos di­reitos hu­manos, na­tu­ral­mente. Não há ele­fante que re­sista.

“Avante!”, 16 de Dezembro de 2021