Os con­ceitos, quais­quer que eles sejam, só são úteis quando é claro (pelo menos para a mai­oria) aquilo que re­pre­sentam. Caso con­trário, corre-se o risco de se achar que nos re­fe­rimos todos ao mesmo quando, afinal, falam uns de alhos e ou­tros de bu­ga­lhos.

O con­ceito de es­querda não cons­titui, a este res­peito, qual­quer ex­cepção. Nas úl­timas se­manas, tem-se fa­lado muito da con­ver­gência da es­querda, das di­ver­gên­cias à es­querda, do Or­ça­mento também ele muito de es­querda. Mas o que é, então, isso de es­querda? Uma ati­tude? Uma pro­cla­mação? Uma tra­dição? Um po­si­ci­o­na­mento mais ou menos efé­mero que se afere apenas e só em re­lação com o de ou­tros? Ou será algo mais?

Es­ta­remos re­al­mente todos a falar do mesmo?

Será pos­sível co­locar numa mesma ca­te­goria ge­né­rica de es­querda aqueles que as­sumem a va­lo­ri­zação dos sa­lá­rios e o tra­balho com di­reitos como fac­tores de cres­ci­mento eco­nó­mico e pro­gresso so­cial e os que, cur­vando-se pe­rante o poder eco­nó­mico, ge­ne­ra­lizam a pre­ca­ri­e­dade e dão co­ber­tura a des­pe­di­mentos co­lec­tivos?

Podem ser de algum modo equi­pa­rados os que pre­tendem repor os prazos, mon­tantes e con­di­ções de atri­buição do sub­sídio de de­sem­prego pra­ti­cados antes da troika e aqueles que querem deixar tudo como está?

É acei­tável amal­gamar sob um mesmo con­ceito quem se bate por fixar mé­dicos e ou­tros pro­fis­si­o­nais de saúde no SNS e aqueles que por acção ou inacção pro­movem a san­gria de mi­lhares de mé­dicos, en­fer­meiros e téc­nicos para o es­tran­geiro ou para o sector pri­vado? Os que de­fendem um real in­ves­ti­mento nos hos­pi­tais e cen­tros de saúde e si­mul­ta­ne­a­mente os que ali­mentam com avul­tados fundos pú­blicos o si­nistro ne­gócio da do­ença? Pode ser de es­querda tanto o que de­fende o di­reito à ha­bi­tação como o que fa­ci­lita des­pejos, fa­vo­rece a es­pe­cu­lação e re­serva cen­tros his­tó­ricos para o tu­rismo e para os condomínios de luxo?

Aju­dará ao es­cla­re­ci­mento pú­blico de­signar da mesma forma quem pre­tende con­trolar os preços dos com­bus­tí­veis, no mo­mento em que se en­con­tram em má­ximos his­tó­ricos, e quem ob­serva pas­si­va­mente o mer­cado a fun­ci­onar, não es­tando dis­posto a be­liscar em um cên­timo que seja os in­te­resses das pe­tro­lí­feras? São se­me­lhantes os que se batem pela cri­ação de um ser­viço pú­blico de cul­tura e quem pre­tendia con­sa­grar apenas 0,25% do Or­ça­mento do Es­tado a este sector fun­da­mental?

Fosse es­cla­recer e in­formar a in­tenção da ge­ne­ra­li­dade da co­mu­ni­cação so­cial e dos co­men­ta­dores e po­li­tó­logos e con­ceitos desta na­tu­reza se­riam uti­li­zados com maior pru­dência. No fundo, era im­por­tante que se pas­sasse a falar mais de con­teúdos e menos de ró­tulos sem cor­res­pon­dência com a re­a­li­dade, pois no fim é isso que im­porta. Como di­ziam os clás­sicos, a prova do pudim passa por comê-lo.

“Avante!”, 11 de Novembro de 2021