As elei­ções eram a saída ine­vi­tável da re­jeição da pro­posta de Or­ça­mento do Es­tado?

Não. Nada obri­gava a que fosse essa a con­sequência.

Aliás, o pró­prio Go­verno ad­mitiu manter-se em fun­ções e en­trar em 2022 exe­cu­tando o or­ça­mento em du­o­dé­cimos.

Não havia nada que im­pe­disse o Go­verno de con­ti­nuar a exercer fun­ções, tal como a As­sem­bleia da Re­pú­blica, res­pon­dendo ao que tem de res­ponder no mais ime­diato, dando exe­cução plena ao que o OE deste ano de 2021 tem ins­crito e que está por exe­cutar, de­ci­dindo sobre ques­tões de­ci­sivas que estão para lá do Or­ça­mento, quer quanto a sa­lá­rios, di­reitos dos tra­ba­lha­dores, preços da energia ou ou­tras ma­té­rias.

Nada im­pedia se­quer que o Go­verno apre­sen­tasse uma nova pro­posta de Or­ça­mento se en­tre­tanto es­ti­vesse dis­po­nível para fazer as op­ções que agora re­cusou para res­ponder aos pro­blemas na­ci­o­nais. Seria uma questão de von­tade e opção do Go­verno.

Tendo o Go­verno re­cu­sado a hi­pó­tese de apre­sentar uma nova pro­posta de Or­ça­mento e tendo o Pre­si­dente da Re­pú­blica subs­ti­tuído há já al­gumas se­manas a dis­cussão do Or­ça­mento pela pre­ci­pi­tação de elei­ções an­te­ci­padas, a questão das elei­ções surge como con­sequência di­recta dessas to­madas de po­sição. Mas nada obri­gava a isso nem essa dis­cussão de­so­briga o Go­verno de usar as pos­si­bi­li­dades que tem para, en­tre­tanto, res­ponder aos pro­blemas.

Não se teme que o PCP seja pe­na­li­zado?

Os por­tu­gueses sabem que foi por in­ter­venção do PCP que se criou os au­mentos de 10 euros nas pen­sões, que se con­se­guiu os ma­nuais es­co­lares gra­tuitos, a gra­tui­ti­dade das cre­ches, o passe so­cial dos trans­portes mais ba­rato. E sabem que foi o PCP que agora se bateu para que essas e ou­tras me­didas che­gassem a mais gente e de forma mais efec­tiva para re­solver os pro­blemas que hoje existem.

Quanto mais força o PCP e a CDU ti­verem mais pró­xima fica a con­cre­ti­zação dessas e de ou­tras me­didas.

O PCP, com a re­jeição do OE, não se torna ir­re­le­vante?

Os tra­ba­lha­dores e o povo sabem que a força que dão ao PCP conta sempre, seja para de­fender os seus di­reitos em todas as cir­cuns­tân­cias, seja para con­cre­tizar so­lu­ções que res­pondam aos seus pro­blemas. Foi assim em 2015, quando se afastou o go­verno PSD/​CDS. Foi assim na de­fesa, re­po­sição e con­quista de di­reitos. Foi assim no com­bate à epi­demia quando foi pre­ciso ga­rantir o pa­ga­mento de sa­lá­rios a 100%, a re­no­vação au­to­má­tica dos sub­sí­dios de de­sem­prego e o apoio so­cial a quem não tinha ne­nhum apoio.

A força do PCP e da CDU foi de­ci­siva para tudo isso.

E essa força do PCP e da CDU vai con­ti­nuar a ser de­ci­siva no fu­turo. Seja para ga­rantir que tudo aquilo que agora foi dis­cu­tido seja con­cre­ti­zado, seja para criar con­di­ções para a ver­da­deira po­lí­tica al­ter­na­tiva que o PS con­tinua a re­cusar.

Como sempre fi­zemos e con­ti­nu­a­remos a fazer, fa­zendo da luta o mais po­de­roso ins­tru­mento para trans­formar as as­pi­ra­ções em re­a­li­dade, mas ao mesmo tempo sem des­per­diçar ne­nhuma pos­si­bi­li­dade para en­con­trar e con­cre­tizar so­lu­ções para o País. É isso que con­ti­nu­a­remos a fazer.

Há uma coisa que é certa: para a so­lução dos pro­blemas e a de­fesa dos di­reitos, dos sa­lá­rios, das re­formas o que é ver­da­dei­ra­mente re­le­vante, até mesmo de­ci­sivo, é o re­forço do PCP. O PCP foi, é e será de­ter­mi­nante na evo­lução da si­tu­ação na­ci­onal.

O PS diz que tem de ter «mai­oria re­for­çada» porque sem ela, e não con­tando com a «es­querda», o País fica sem so­lução. Isto faz sen­tido?

Nin­guém se es­queceu do que têm sido as mai­o­rias ab­so­lutas em Por­tugal e de como elas apenas servem para atacar os di­reitos dos tra­ba­lha­dores e do povo em be­ne­fício dos grupos eco­nó­micos. Foi assim nas mai­o­rias ab­so­lutas do PSD e do PS.

Do que o País pre­cisa não é de mai­o­rias ab­so­lutas, é de res­posta aos seus pro­blemas, é de so­lu­ções para as di­fi­cul­dades que sentem os tra­ba­lha­dores, os re­for­mados, os jo­vens, os de­sem­pre­gados, as MPME.

Essas so­lu­ções cons­troem-se re­cu­sando mai­o­rias ab­so­lutas e dando mais força ao PCP e à CDU. Mar­cadas as elei­ções, o que é pre­ciso é ga­rantir esse re­forço do PCP e da CDU.

O PCP tem um pro­jecto e uma po­lí­tica al­ter­na­tiva capaz de as­se­gurar o de­sen­vol­vi­mento do país e a ele­vação das con­di­ções de vida.

Uma po­lí­tica al­ter­na­tiva que é ne­ces­sária ao País e que, em ma­té­rias de­ci­sivas, exige op­ções con­trá­rias às do PS.

O PCP não pres­cinde de en­con­trar so­lu­ções e con­ver­gên­cias para que se possa avançar na res­posta às ne­ces­si­dades da vida dos tra­ba­lha­dores e do povo, mesmo quando esses avanços não são tão sig­ni­fi­ca­tivos quanto po­diam ser. Mas também não pres­cinde de lutar pela po­lí­tica al­ter­na­tiva que con­cre­tiza todos essas res­postas na me­dida em que elas são ne­ces­sá­rias ao País.

O ponto não está na dis­po­ni­bi­li­dade do PCP para res­ponder ao que os tra­ba­lha­dores e o povo pre­cisam.

Está em saber se o PS quer con­vergir nessa res­posta e nessas so­lu­ções ou se pre­fere, como ainda agora se viu, manter as suas op­ções mesmo quando elas sejam con­trá­rias ao in­te­resse do povo.

O PCP re­a­firma o seu prin­cipal com­pro­misso, o com­pro­misso com os tra­ba­lha­dores e o povo, com a de­fesa dos seus in­te­resses e as­pi­ra­ções.

Deitou -se tudo a perder com a re­jeição do OE?

Isso só será assim se o PS es­teve a fazer te­atro, di­zendo que acei­tava me­didas que na ver­dade não queria aceitar nem pôr em prá­tica.

Essa res­pon­sa­bi­li­dade não pode ser re­ti­rada ao PS e trans­fe­rida para ou­tros. Se aquilo que foi dito pelo PS cor­res­pondia mesmo às suas in­ten­ções, então tudo o que foi dis­cu­tido e ad­mi­tido deve ser con­cre­ti­zado.

A co­meçar ainda este ano. O Or­ça­mento para 2021 está em vigor e pre­cisa de ser con­cre­ti­zado: na con­tra­tação de mi­lhares de tra­ba­lha­dores para os ser­viços pú­blicos que o Go­verno ainda não fez; na ace­le­ração de in­ves­ti­mentos e compra de equi­pa­mentos para o SNS; no apoio aos sec­tores pro­du­tivos; no ro­bus­te­ci­mento de em­presas pú­blicas que ainda so­frem os im­pactos da epi­demia; na li­ber­tação dos mil e um ex­pe­di­entes que, a pensar no dé­fice, travam a plena exe­cução do ac­tual Or­ça­mento.

E, ao mesmo tempo, nada im­pede, antes pelo con­trário, exige-se que seja apli­cado o que o Go­verno anun­ciou no Or­ça­mento e para além dele.

O Go­verno pode e deve pro­ceder ao au­mento do Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal, mesmo nos termos in­su­fi­ci­entes que pro­meteu. Pode e deve con­cre­tizar os au­mentos dos sa­lá­rios dos tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica, por mais re­du­zido que tenha sido o valor de au­mento em 0,9 por cento de que o Go­verno não quis sair nas ne­go­ci­a­ções sin­di­cais.

E mesmo em re­lação às pen­sões, o Go­verno tem de uti­lizar as con­di­ções de que dispõe para con­cre­tizar o au­mento que disse estar dis­posto a fazer.

É certo que o PCP pro­punha um au­mento geral das pen­sões em 1,8 por cento, com um mí­nimo de 10 euros a partir de Ja­neiro, e o Go­verno apenas ad­mitiu o au­mento de 10 euros para as pen­sões até 1097 euros. Mas se o Go­verno tinha mesmo in­tenção de fazer esse au­mento tem a obri­gação de uti­lizar os re­cursos que tem ao seu dispor para o con­cre­tizar.

O facto de o Go­verno pa­recer ad­mitir essas pos­si­bi­li­dades só prova que valeu a pena o PCP bater-se por elas.

E não há o «pe­rigo» da di­reita?

O risco não é esse. As pes­soas ainda têm na me­mória o que sig­ni­fi­caram esses anos de re­tro­cesso so­cial du­rante o Pacto de Agressão das troicas. Não ha­verá muitos que queiram isso de volta.

O acenar do pe­rigo da di­reita só in­te­ressa à es­tra­tégia do PS para atingir a mai­oria ab­so­luta. Pas­sados estes poucos dias já se per­cebeu que era essa a ver­da­deira am­bição do PS e que não houve Or­ça­mento porque o PS queria elei­ções e mai­oria ab­so­luta.

O que põe em risco as res­postas e so­lu­ções que o País pre­cisa é essa pos­si­bi­li­dade de uma even­tual mai­oria ab­so­luta do PS

Um PS mais forte torna mais dis­tante as res­postas ne­ces­sá­rias. Um PS mais forte e de mãos li­vres é em termo de con­teúdos da po­lí­tica, como se sabe, mais pa­re­cido com os da­quela di­reita que diz querer afastar.

O PCP está a «abrir portas à di­reita», como al­guns dizem?

O PCP foi sempre de­ter­mi­nante para fe­char as portas à di­reita e a quem a con­cre­tiza. Em mais de 40 anos a nossa luta e in­ter­venção foi de­ter­mi­nante para esse com­bate como se ve­ri­ficou em 2015.

O que abriria as portas à di­reita seria con­ti­nuar a não haver res­postas e so­lu­ções. É a in­sa­tis­fação e o de­ses­pero de ver os pro­blemas sem res­posta e sem saída que fa­vo­rece a de­ma­gogia e os pro­jectos re­ac­ci­o­ná­rios.

Ha­vendo au­mento sig­ni­fi­ca­tivo dos sa­lá­rios e re­cu­pe­ração do poder de compra dos re­for­mados, ha­vendo me­didas de de­fesa do SNS para ga­rantir que os por­tu­gueses te­nham acesso a con­sultas, ci­rur­gias ou exames, pro­te­gendo-se o di­reito à ha­bi­tação, não há risco de as pes­soas serem no­va­mente en­ga­nadas pelos par­tidos à di­reita do PS.

Pelo con­trário! É a res­posta que o PCP de­fende para estas e ou­tras ques­tões que der­rota a di­reita e os seus pro­jectos.

“Avante!”, 4 de Novembro de 2021