Lusa

O PCP es­teve apenas a ar­ranjar des­culpas para re­jeitar o Or­ça­mento?

O PCP bateu-se pela res­posta aos pro­blemas do País. En­quanto ou­tros pre­fe­riam acenar com elei­ções e com a crise, o PCP bateu-se por en­con­trar so­lu­ções para o que pesa na vida dos tra­ba­lha­dores e do povo: do seu sa­lário aos seus di­reitos, do di­reito à saúde ao acesso à ha­bi­tação, das con­di­ções de vida de pais e fi­lhos à pro­tecção aos idosos e re­for­mados. É a pro­funda in­su­fi­ci­ência de res­postas a estes pro­blemas, no Or­ça­mento e para lá dele, que de­ter­mina a opção final do PCP.

É o Go­verno que tem de res­ponder ao que até agora re­cusou.

O que é que mudou para o PCP al­terar agora o seu sen­tido de voto?

O PCP man­teve em todos os mo­mentos a sua co­e­rência, res­pon­dendo sempre ao que era im­pe­rioso res­ponder nas con­di­ções con­cretas de cada mo­mento.

Em 2015 para travar o rumo de de­sastre da troika e abrir ca­minho à de­fesa, re­po­sição e con­quista de di­reitos. Em 2021 para en­frentar a epi­demia, pro­teger sa­lá­rios, ga­rantir apoios, as­se­gurar o acesso à saúde.

Hoje, pas­sado o pico da epi­demia e quando existem meios fi­nan­ceiros para en­carar a res­posta que não pode ser adiada, é pos­sível com­bater o avo­lumar dos pro­blemas e abrir pers­pec­tivas de so­lução.

O PCP des­co­briu agora as li­mi­ta­ções das op­ções do PS?

Não, ti­vemo-las sempre pre­sentes, até porque essas op­ções con­di­ci­o­naram o que se podia ter avan­çado. Em cada ano, na dis­cussão de cada Or­ça­mento do Es­tado, o PCP as­si­nalou que os avanços al­can­çados en­con­travam um es­par­tilho cres­cente na pri­o­ri­dade que o PS dava ao dé­fice em de­tri­mento dos in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e do povo.

Mesmo assim, per­sis­timos e demos uma con­tri­buição de­ci­siva para cada avanço con­se­guido. Uma prova de que só com o PCP é pos­sível fazer avançar di­reitos e con­di­ções de vida.

É ver­dade que só agora é que o PCP trouxe para a dis­cussão or­ça­mental ma­té­rias que estão para lá do Or­ça­mento?

Essa é uma ideia falsa. Logo em 2015, o PCP in­sistiu para que fi­casse ins­crita a eli­mi­nação das normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral. O PS re­cusou porque os seus com­pro­missos não são com os tra­ba­lha­dores. Rei­te­ra­da­mente, ao longo das duas le­gis­la­turas, o PCP propôs o au­mento sig­ni­fi­ca­tivo do Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal – que o PS, com o apoio de PSD e CDS, re­cusou. O PCP as­si­nalou em cada ano a ne­ces­si­dade de au­mentar os sa­lá­rios da Ad­mi­nis­tração Pú­blica, mesmo nos anos em que se pro­cedeu a uma eli­mi­nação de cortes de ven­ci­mentos im­postos por PSD e CDS.

O PCP quis impor o seu pró­prio pro­grama ao PS, sem aceitar ne­go­ciar?

Não! Aquilo que co­lo­cámos não foi que o PS adop­tasse a po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda que o PCP de­fende e que daria so­lução plena ao con­junto dos pro­blemas.

O que co­lo­cámos foi, a par de res­postas mais ime­di­atas e ina­diá­veis, que o Go­verno as­su­misse com­pro­missos e desse si­nais que in­di­cassem uma dis­po­ni­bi­li­dade de uma res­posta mais ampla a ques­tões es­sen­ciais. Em vá­rias ma­té­rias apre­sen­támos pro­postas que não cor­res­pon­diam in­tei­ra­mente ao que pro­pomos – e que faz falta. Mas até essas o Go­verno re­cusou.

A de­cisão do PCP traz crise e ins­ta­bi­li­dade?

Ne­nhuma das pro­postas do PCP é factor de crise ou de ins­ta­bi­li­dade. Au­mentar sa­lá­rios, as­se­gurar os di­reitos dos tra­ba­lha­dores, re­forçar a pro­tecção no de­sem­prego, ga­rantir o di­reito à ha­bi­tação, re­forçar o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, ga­rantir cre­ches para todas as cri­anças em Ja­neiro de 2022 e uma rede pú­blica de cre­ches, re­cu­perar o poder de compra per­dido nas pen­sões de re­forma não criam crise nem geram ins­ta­bi­li­dade.

Pelo con­trário! O que acres­centa crise e ins­ta­bi­li­dade à vida dos tra­ba­lha­dores e do povo é não res­ponder a cada um destes pro­blemas.

O Go­verno diz que res­pondeu como nunca às ques­tões co­lo­cadas pelo PCP. É ver­dade?

Não! O Go­verno não saiu do valor do Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal, ma­ni­fes­ta­mente in­su­fi­ci­ente, que já tinha anun­ciado em Março.

Pe­rante a ur­gência de me­didas para fixar pro­fis­si­o­nais no SNS através da de­di­cação ex­clu­siva e nas zonas ca­ren­ci­adas em saúde, que o PCP de­fendeu, o Go­verno res­pondeu com uma me­dida re­donda sem qual­quer efeito na tra­vagem da des­truição que está em curso no SNS.

Em vez de as­sumir a re­vo­gação da ca­du­ci­dade da con­tra­tação co­lec­tiva, o Go­verno ad­mitiu a sua sus­pensão pro­cu­rando em­brulhá-la com con­di­ções que não ga­rantem a de­fesa dos di­reitos dos tra­ba­lha­dores.

Quando é in­dis­pen­sável ga­rantir o di­reito à ha­bi­tação, o Go­verno ig­norou por com­pleto as pro­postas do PCP para con­trolar os custos da ha­bi­tação e dar es­ta­bi­li­dade aos con­tratos.

As pro­postas de fi­xação de pro­fes­sores e na es­cola pú­blica fi­caram sem qual­quer res­posta. A Es­cola Pú­blica não se de­fende e va­lo­riza pro­me­tendo au­xi­li­ares de edu­cação que, ano após ano, não se con­trata.

A res­posta ao au­mento ex­tra­or­di­nário das re­formas deixa de fora parte dos que mais des­contos fi­zeram na sua vida, já para não falar na au­sência de qual­quer con­si­de­ração para a eli­mi­nação dos cortes nas longas car­reiras con­tri­bu­tivas.

Mas então este não é o Or­ça­mento em que o PS mais cedeu ao PCP?

Essa afir­mação só serve para a pro­pa­ganda do PS e es­conder a falta de res­postas ao País.

Veja-se, por exemplo, a po­sição do PS sobre o au­mento do SMN, que é a mesma que já es­tava ins­crita no seu pro­grama elei­toral. O PS re­cusou ainda a re­vo­gação das normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral, a va­lo­ri­zação de car­reiras e das pro­fis­sões, me­didas para ga­rantir o di­reito à ha­bi­tação, me­didas para taxar o grande ca­pital, me­didas para travar a des­truição do SNS, me­didas para criar redes pú­blicas de cre­ches e de lares, me­didas para de­fender os sec­tores pro­du­tivos e as micro, pe­quenas e mé­dias em­presas.

Acresce que uma boa parte das me­didas ins­critas no OE não tem qual­quer al­cance prá­tico.

Carlos César acusou o PCP de apre­sentar pro­postas im­pos­sí­veis como a de 850 euros de Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal em Ja­neiro. É ver­dade?

Não! O au­mento dos sa­lá­rios e do SMN são um factor de de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico, me­lhoria das con­di­ções de vida, com­bate à po­breza. Ne­ces­sário e pos­sível.

Mas a ver­dade é que o PCP, co­nhe­cidas as re­sis­tên­cias do PS quando se fala em tra­ba­lha­dores, propôs um valor que fi­casse a meio do ca­minho entre o que o Go­verno pre­tende e o que o PCP de­fende – 755 euros em 1 Ja­neiro, ga­ran­tindo fe­char o ano de 2022 com 800 euros. Foi isto que o PS re­cusou.

Este é o «me­lhor or­ça­mento de sempre», um «or­ça­mento de es­querda»?

Cada Or­ça­mento deve res­ponder em cada mo­mento ao que o País pre­cisa. E para se fazer essa ava­li­ação global, não basta olhar apenas para o que está no Or­ça­mento do Es­tado. É também pre­ciso olhar o que lá não está e para o que o Go­verno re­cusa para além dele. A au­sência de res­posta à de­te­ri­o­ração pro­gres­siva de sa­lá­rios, dos di­reitos, do SNS, da ca­pa­ci­dade pro­du­tiva, dos ser­viços pú­blicos, não trans­forma este no me­lhor or­ça­mento de sempre, bem pelo con­trário.

Este or­ça­mento ga­rante alívio fiscal às fa­mí­lias, au­mento de pen­sões e de sa­lá­rios da Ad­mi­nis­tração Pú­blica e mesmo assim o PCP vota contra?

Ao con­trário do que era pre­ciso, no plano fiscal a pro­posta de OE não alivia os mais fracos nem tri­buta mais os mais fortes. As me­didas fis­cais do OE não se tra­duzem em mais jus­tiça fiscal. Os tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica e muitos pen­si­o­nistas não vão re­cu­perar poder de compra.

Mas ainda que se con­si­dere ou­tras me­didas avulsas que o Go­verno ins­creveu no Or­ça­mento, o pro­blema é que não há uma res­posta global que im­peça que o País es­teja, daqui por um ano, pior do que está hoje. É pela au­sência dessa res­posta global, que aponte um ca­minho de de­sen­vol­vi­mento, que o PCP votou contra.

Mas não é ver­dade que não há di­nheiro para tudo e que não se pode dar tudo a todos ao mesmo tempo?

O que o PCP propôs ao Go­verno não foi dar tudo a todos. Foi res­ponder aos pro­blemas mais pre­mentes. É o pró­prio Go­verno que afirma que há re­cursos dis­po­ní­veis como nunca.

Além do mais, há ma­té­rias di­versas que nem têm qual­quer im­pacto or­ça­mental, re­pre­sen­tando até re­ceita, como o au­mento do SMN ou o fim da ca­du­ci­dade. São as op­ções de classe do Go­verno e a sua sub­missão aos in­te­resses do grande ca­pital que o im­pedem de dar esse passo.

O PCP quer mesmo pôr em causa as contas certas do País?

As contas certas exigem res­postas à ge­ne­ra­li­dade dos tra­ba­lha­dores, dos re­for­mados e dos dois mi­lhões de por­tu­gueses na po­breza.

Contas certas, sim! Que pro­pi­ciem à vida de cada um, sa­lá­rios e re­formas que per­mitam pagar a ha­bi­tação, fazer face à ali­men­tação, dar creche aos seus fi­lhos, com­prar os me­di­ca­mentos, aquecer a casa no in­verno.

O Go­verno usa a ideia falsa de «contas certas» para tapar a sua sub­missão às im­po­si­ções da União Eu­ro­peia que li­mitam e im­pedem a res­posta aos pro­blemas do País.

As pro­postas que o PCP apre­sentou im­plicam des­pesa, mas também re­ceita, assim se queira ir buscá-la aos ele­vados lu­cros, pa­tri­mónio e di­vi­dendos, em vez de os deixar fugir para pa­raísos fis­cais.

Como pode o PCP falar de risco de des­truição do SNS se pre­ci­sa­mente o OE previa au­mentar o in­ves­ti­mento na saúde?

Fala-se em mais 700 mi­lhões de euros para a saúde, mas para onde vão esses re­cursos? Uma parte sig­ni­fi­ca­tiva vai para os grupos eco­nó­micos que operam no ne­gócio da do­ença. Na prá­tica, quanto mais di­fi­cul­dades tem o SNS mais di­nheiro pú­blico é trans­fe­rido para os grupos pri­vados de saúde. É isso que está a matar o SNS.

O PCP não está a abrir a porta à di­reita?

O que abre a porta à di­reita é a falta de res­posta aos pro­blemas.

Se há quem tenha au­to­ri­dade no travar do passo à di­reita é o PCP. Foi o papel de­ci­sivo do PCP que afastou PSD e CDS do poder em 2015, quando o pró­prio PS já o acei­tava como ine­vi­tável.

Quem não tem au­to­ri­dade para agitar o «pe­rigo» da di­reita é o PS que, mesmo nestes anos, em ques­tões de­ci­sivas votou com o PSD, CDS e seus su­ce­dâ­neos, contra as pro­postas do PCP de au­mento do Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal, de re­vo­gação das normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral e da lei dos des­pejos, de re­cu­pe­ração para a es­fera pú­blica de em­presas es­tra­té­gicas, de con­trolo de preços da energia e dos com­bus­tí­veis… As pro­postas do PCP dão res­posta a esses pro­blemas, fe­chando a porta à di­reita!

O PCP só re­co­nheceu agora o que o BE viu em 2020?

O PCP de­cide de­ter­mi­nado pelos seus com­pro­missos com os tra­ba­lha­dores e o povo, e não em função de po­si­ci­o­na­mentos de ou­tros, de chan­ta­gens e pres­sões, ou de falsos elo­gios.

É bom lem­brar que o PCP já tinha vo­tado contra o Or­ça­mento Su­ple­mentar em 2020, que en­quanto cor­tava nos sa­lá­rios dos tra­ba­lha­dores em lay-off, atri­buía be­ne­fí­cios ao grande ca­pital. Se esse or­ça­mento passou foi porque ou­tros o apoi­aram – in­cluindo o BE –, o que o PCP não apoiou.

O Or­ça­mento de 2021 teve uma con­tri­buição de­ci­siva do PCP para cor­rigir o que de ne­ga­tivo tinha sido co­lo­cado no Or­ça­mento Su­ple­mentar, para en­frentar a epi­demia e para ga­rantir di­reitos, de­sig­na­da­mente o de con­sa­grar o pa­ga­mento por in­teiro dos sa­lá­rios.

A não apro­vação do OE im­plica ne­ces­sa­ri­a­mente a re­a­li­zação de elei­ções?

Não. Há ou­tros ca­mi­nhos que têm sido ex­cluídos pelo Pre­si­dente da Re­pú­blica.

O de­bate sobre o Or­ça­mento do Es­tado não é uma moção de cen­sura ao Go­verno.

A va­lo­ri­zação dos sa­lá­rios, a re­po­sição do poder de compra dos pen­si­o­nistas, a de­fesa do SNS, o in­cre­mento da pro­dução na­ci­onal, não são cau­sa­doras de crise, pelo con­trário, são ga­rantia de es­ta­bi­li­dade.

O de­sen­vol­vi­mento da si­tu­ação po­lí­tica é da res­pon­sa­bi­li­dade do Go­verno e do Pre­si­dente da Re­pú­blica. Quem agora quer elei­ções não quer res­ponder aos pro­blemas do País.

O PCP teme elei­ções?

O PCP es­teve, até ao úl­timo mo­mento, con­cen­trado nas so­lu­ções para os pro­blemas. Cál­culos sobre elei­ções foi papel de ou­tros. Mas, se con­vo­cadas, o PCP vai en­frentá-las com con­fi­ança.

Se há questão que ficou pro­vada nos úl­timos anos é que cada voto, cada eleito do PCP e da CDU, são postos ao ser­viço dos tra­ba­lha­dores e do povo, seja em que cir­cuns­tância for. O que fica claro é que o PCP e a CDU têm de ter mais força para que se res­ponda às as­pi­ra­ções dos tra­ba­lha­dores e do povo.

O PCP é a força da al­ter­na­tiva às op­ções de classe do PS e aos pro­jectos re­ac­ci­o­ná­rios de PSD, CDS e dos seus su­ce­dâ­neos.

“Avante!”, 28 de Outubro de 2021