Os jor­na­listas Maria Ressa e Dmitry Mu­ratov re­ce­beram este ano o Nobel da Paz. Se­gundo a Aca­demia sueca, aqueles pro­fis­si­o­nais foram pre­mi­ados «pelos seus es­forços na sal­va­guarda da li­ber­dade de ex­pressão, que é uma con­dição im­pres­cin­dível para a de­mo­cracia e para a paz du­ra­doura». Du­rante o anúncio do prémio foi ainda su­bli­nhado que ambos podem ser con­si­de­rados «re­pre­sen­tantes de todos os jor­na­listas que lutam por estes ideais, num mundo em que a de­mo­cracia e a li­ber­dade de ex­pressão en­frentam con­di­ções cada vez mais ad­versas».

O aplauso dos po­deres ins­ti­tuídos e dos media do sis­tema foi ge­ne­ra­li­zado, como seria de es­perar. A oca­sião deu azo a ve­e­mentes pro­fis­sões de fé na li­ber­dade de im­prensa e na li­ber­dade de ex­pressão, que apa­ren­te­mente todos não só de­fendem como pra­ticam.

É cu­rioso, no en­tanto, que num tal con­texto, e sendo sa­bido – ele­mentar, meu caro Watson, como diria Sher­lock Holmes – que as fontes de in­for­mação são es­sen­ciais para o jor­na­lismo e que sem pro­tecção das fontes não há jor­na­lismo, é cu­rioso, dizia, que se tenha ig­no­rado duas per­so­na­li­dades que marcam a his­tória do di­reito à in­for­mação, Ju­lian As­sange e Edward Snowden, e que para re­pre­sentar «todos os jor­na­listas» se tenha op­tado por dois in­di­ví­duos em vez de or­ga­ni­za­ções que le­gi­ti­ma­mente os re­pre­sentam.

As­sange, jor­na­lista e pro­gra­mador aus­tra­liano, fun­dador da Wi­ki­leaks, di­vulgou em 2010 mais de 750 000 do­cu­mentos con­fi­den­ciais dos EUA, como re­gistos re­ve­la­dores de crimes co­me­tidos pelos sol­dados norte-ame­ri­canos no Afe­ga­nistão e no Iraque, pelo que en­frenta há quase uma dé­cada o pe­dido de ex­tra­dição feito por Washington, num pro­cesso aberto por Obama… outro Nobel da Paz. Preso em Lon­dres, As­sange aguarda os «novos ar­gu­mentos» que os EUA devem apre­sentar a 27 e 28 de Ou­tubro.

Quanto a Snowden, an­tigo con­sultor das agên­cias de in­for­ma­ções norte-ame­ri­canas CIA e NSA, está re­fu­giado na Rússia desde 2013, sendo pro­cu­rado pelos EUA por ter en­tre­gado à co­mu­ni­cação so­cial de­zenas de mi­lhares de do­cu­mentos sobre as ac­ti­vi­dades da NSA e da vi­gi­lância elec­tró­nica exer­cida por Washington, in­cluindo sobre países ali­ados. É acu­sado de es­pi­o­nagem, in­cor­rendo numa pena de 30 anos de prisão.

Igual­mente digno de re­gisto é o facto de na «sal­va­guarda da li­ber­dade de ex­pressão», que se diz ser «con­dição im­pres­cin­dível para a de­mo­cracia e para a paz du­ra­doura», se opte pelo in­di­vi­dual em de­tri­mento do co­lec­tivo, quando os pró­prios jor­na­listas sentem a ne­ces­si­dade de se juntar, como é o caso da cri­ação dos con­sór­cios in­ter­na­ci­o­nais que per­mi­tiram a di­vul­gação das in­for­ma­ções for­ne­cidas por… As­senge e Snowden.

Al­guma coisa está mal con­tada nesta his­tória sueca. Para quem se rei­vin­dica de «cães de guarda» da de­mo­cracia, pa­rece que os jor­na­listas andam a la­drar bai­xinho.

“Avante!”, 21 de Outubro de 2021