Se dúvidas houvessem, a pandemia que vivemos veio mostrar a importância da saúde para as pessoas e para a comunidade, ao ponto de ocorrer uma mudança drástica nos hábitos sociais e laborais, como por exemplo, a limitação dos relacionamentos sociais; a ausência de visitas familiares em lares e hospitais; as alterações laborais, como o recurso ao teletrabalho ou o lay-off; ou o uso de máscara em espaços públicos. É preciso preparar o futuro, evitando que no período pós-pandémico surja uma outra pandemia invisível a que a comunicação social não dá enfoque, embora seja tão ou mais grave que a atual. As perturbações depressivas e de ansiedade estão entre as principais causas, a nível mundial, de anos vividos com incapacidade. Em 2016, 18,4% da população portuguesa sofria de algum tipo de doença mental, sendo Portugal o quinto país da União Europeia com maior percentagem de pessoas com perturbação mental, conforme nos indica o relatório da OCDE, “Health at a Glance: Europe 2018: State of Health in the EU Cycle”. Além disso, o relatório do Conselho Nacional de Saúde de 2019, indica que as perturbações depressivas e de ansiedade ocupavam a 4.ª e 6.ª causa de anos vividos com incapacidade, no ano de 2017.

O medo e a ansiedade que vivemos provocada não só pelas consequências do vírus em si, mas também pela cobertura mediática e pela forma como é transmitida a mensagem com constante bombardeamento de desinformação através de todos os meios comunicacionais, poderá trazer consequências graves na saúde mental das pessoas, aumentando a percentagem, já por si só elevada, de perturbações mentais a nível mundial. Como agravante, sabemos que a saúde mental está relacionada com a saúde física, uma vez que, por exemplo, a ansiedade e o stress aumentam a probabilidade da ocorrência de doenças cardiovasculares, entre outras. Quer isto dizer que o aumento de problemas de saúde mental pode potenciar o aparecimento de outras patologias. Ora, assim sendo, ao promover a saúde mental, estamos ao mesmo tempo a promover a saúde e o bem-estar no geral. Para evitar esta pandemia invisível, é necessário, portanto, o enfoque em políticas de bem-estar, não apenas no reforço do Serviço Nacional de Saúde, mas em todas as outras áreas sociais, económicas, ambientais, entre outras. Já a Carta de Ottawa para a Promoção da Saúde de 1986, sublinhava a importância de pensar a saúde em todas as políticas, englobando os estilos de vida saudáveis, os ambientes saudáveis, a orientação dos serviços de saúde para a promoção da saúde e prevenção da doença e o aumento da literacia em saúde. 

Vejamos, quais são os determinantes influenciadores da saúde e do bem-estar das pessoas? Destacam-se os determinantes sociais e económicos. A pobreza, a falta de condições habitacionais, a poluição ambiental, as condições laborais precárias, a baixa literacia e níveis educacionais mais baixos, o acesso reduzido a serviços de saúde e sociais, bem como a atividades culturais, recreativas e desportivas são fatores de risco para o aparecimento de doenças e para a redução do bem-estar e da qualidade de vida das pessoas e comunidades. Sabemos que a adoção de estilos de vida saudáveis está diretamente relacionada com a saúde e o bem-estar. Quando falamos em estilos de vida saudáveis estamos a referir-nos, por exemplo, a alimentação saudável, prática de exercício físico, hábitos regulares de sono, participação em atividades culturais e recreativas. Para que tal seja possível é necessário que estejam reunidas um conjunto de condições, como: 1) poder económico para adquirir alimentos saudáveis; 2) literacia em saúde para optar por escolhas saudáveis; 3) acesso aos serviços de saúde para apoio profissional na promoção de estilos de vida saudáveis; 4) acesso a atividades desportivas de acordo com as suas preferências; 5) acesso a atividades culturais e recreativas; 6) acesso a serviços sociais.

O Relatório Mundial de Saúde indica-nos que a recolha e análise de informação epidemiológica é fundamental para a identificação do grau e do tipo de problemas na comunidade.  É necessário fazer uma análise crítica acerca da capacidade de resposta dos recursos e estruturas existentes nas comunidades de forma a definir as necessidades das mesmas. O mesmo relatório destaca a importância de responder às necessidades das populações mais desfavorecidas e vulneráveis; implementar estratégias de promoção da saúde e prevenção da doença; e promover a vinculação intersectorial do sector da saúde com outros sectores.

Assim, as autarquias não podem ficar indiferentes à necessária mudança nos determinantes que influenciam a saúde e o bem-estar das pessoas e comunidades, pois são a entidade política mais próxima das mesmas. É urgente e necessário criar condições e capacitar as pessoas e comunidades para a tomada de decisões críticas e conscientes face às suas opções de vida. É preciso que se comece a investir no que realmente importa, as pessoas, a saúde e o bem-estar comunitário. Tal só é possível através de politicas centradas no bem-estar da comunidade e na equidade.

Em primeiro lugar, é preciso fazer um diagnóstico da situação, podendo ser realizados rastreios de saúde mental e física, bem como avaliar os estilos de vida das pessoas para depois, se poder atuar, de acordo com as necessidades individuais e coletivas. Após este diagnóstico, deve ser traçado um plano global equitativo e acessível a todos, com atribuição de responsabilidades aos vários setores comunitários. Para tal, este deve ser promotor de estilos de vida saudáveis, colocando as pessoas no centro de ação. Deixamos algumas pequenas notas que devem ser tidas em consideração no plano de ação promotor da saúde e do bem-estar:

  • Realizar rastreios de saúde mental e física para uma deteção precoce de problemas, devendo estar envolvidos os setores da saúde, sociais e comunitários;
  • Desenvolver ações de promoção da literacia em saúde, capacitando as pessoas para uma tomada de decisão crítica;
  • Priorizar politicamente a implementação de atividades que promovam a saúde e previnam e doença;
  • Desenvolver a nível local ações recreativas, culturais, sociais e desportivas promotoras de bem-estar;
  • Melhorar a acessibilidade aos serviços de saúde, de forma a que todos tenham acesso a uma equipa de família, constituída por médico, enfermeiro e administrativo;
  • Reativar a Unidade Móvel de Saúde com ação nas freguesias mais distantes dos serviços de saúde;
  • Estabelecer parcerias entre os serviços de saúde e as estruturas da comunidade no sentido de proporcionar mais e melhor habitação e mais apoio social a pessoas vulneráveis e carenciadas;
  • Melhorar a qualidade dos cuidados aos mais idosos, através de ações educativas que capacitem os seus cuidadores, quer os formais, quer os informais para a promoção da saúde;
  • Criar oportunidades no acesso ao emprego aos grupos mais vulneráveis.