Os desenganos do director do Público
“(…) mas, para nosso infortúnio, quem julgava que o egoísmo contabilístico poderia ser limitado em favor de um novo fôlego para o futuro já percebeu que estava enganado.”
A visão idílica de uma UE que foi propagandeada , de coesão económica e social, de solidariedade, de nivelamento por cima nos direitos sociais e nos salários e rendimentos cede à realidade da UE dos interesses, das desigualdades, dos egoísmos, do domínio do capital financeiro.
“Vencida no essencial a crise do euro” diz ainda o director do Público, talvez com ilusões, a “UE tinha condições para projectar o seu poder no mundo”.
A crise do euro não está no essencial vencida, mas pura e simplesmente , tal como a crise da dívida, camuflada com a política do BCE de taxas de juro nulas ou negativas e com as sucessivas injecções de liquidez. A crise continua subjacente. Os desequilibrios não se atenuaram como se pode ver no sistema de pagamentos “target 2” em que o Banco Central alemão continua a financiar a maioria dos Estados e até o BCE.
O euro é uma moeda simpática, mas “cara” para a nossa economia e os seus constrangimentos manifestam-se no crescimento económico e nas políticas orçamentais restritivas, nas travagens do investimento, nas injustas políticas salariais de contenção, instrumento para cobrir as sucessivas perdas de competitividade ditas de desvalorização interna.
A perda de autonomia monetária, a entrega ao capital estrangeiro da banca e de empresas básicas e estratégicas e a dependência dos humores políticos das empresas de Rating limitam cada vez mais a nossa soberania. E a soberania é democracia.
Os constrangimentos do euro e as suas consequências condicionam em grande parte a política necessária à resposta aos problemas económicos e sociais, ao financiamento das funções sociais do Estado e do investimento produtivo, alargando o campo de justificado descontentamento de trabalhadores e significativas camadas sociais, abrindo o caminho à demagogia e à extrema direita.
Por alguma razão desde que entrámos para o euro o nosso crescimento médio anual é praticamente de estagnação (1%) e o que sai em lucros e dividendos e juros para o exterior é muito superior a saldo liquido de todos os fundos.
O Orçamento comunitário pela sua escassez nunca compensou a dinâmica de empobrecimento relativo que sempre se verifica numa união económica e monetária entre regiões e países menos e mais desenvolvidos , como todas as experiências históricas o demonstram. Avançaram no federalismo mas os países mais beneficiados nunca o quiseram pagar. A redistribuição compensatória pelo Orçamento foi sempre muito insuficiente e ainda se agravou com os sucessivos alargamentos.
Com o “rombo de 75 mil milhões de euros que o Brexit vai causar” o quadro financeiro plurianual que se está a negociar será ainda mais diminuto e com a atitude negativa dos países que mais beneficiam da UE demonstrada na proposta e nas negociações desta ultima cimeira tudo indica que as disparidades e desigualdades se vão acentuar, agravando a situação dos chamados países da coesão com relevo para o nosso país.
O PS que não tenha ilusões. Com um Orçamento comunitário ainda mais irrelevante os problemas do nosso país, no plano económico, financeiro e social serão substancialmente agravados e uma política de continuação de recuperação e de melhoria de rendimentos ou minimamente de “esquerda” não passará de uma fantasia verbal.
24 de Fevereiro de 2020