Se houvesse coerência, não poderia haver objecções à fixação do Salário Mínimo Nacional nos 1137 euros em 2020, valor que resulta da aplicação da evolução dos preços e da produtividade ao ano de 1974.
O tempo de trabalho e o valor criado durante esse período são alvo de uma disputa secular entre assalariados e detentores dos meios de produção. Neste confronto, é o antagonismo dos interesses e a relação de classes que emergem com toda a crueza, numa época em que alguns tentam vender a conciliação como meio de substituir a luta dos trabalhadores para elevarem as suas condições, num mundo do trabalho que apresentam como essencialmente despojado de contradições e, claro, sem que haja uns poucos a explorar a grande maioria.
O processo que o Governo encetou na Concertação Social (CPCS), a sua rápida degeneração para um pacote que tenta limitar a evolução salarial e contempla um conjunto de contrapartidas para as empresas, é um exemplo lapidar da exigência da luta, da necessidade de mobilizar, unir e esclarecer os trabalhadores. Sendo certo que não será à mesa da CPCS, nem pela força dos melhores argumentos, que o patronato vai abdicar da sua parcela no produto.
Com a clara intenção de desmobilizar os trabalhadores, de colocar no campo do impossível a justa reivindicação de aumento geral dos salários em 90 euros por mês, o grande capital, as organizações que corporizam os seus interesses e os difusores da sua opinião, reagem a esta, como a todas as outras exigências de valorização do trabalho.
Dizem que primeiro é preciso produzir mais riqueza para depois a distribuir melhor. Num país onde imperam as desigualdades, este argumento não poderia ser mais falacioso.
O que não dizem é que a maior desigualdade existente em Portugal tem como principal origem a relação que opõe o capital ao trabalho, e que é fruto desta contradição – em que o capital procura aumentar a exploração para degradar ainda mais as condições de trabalho – da qual emana a mais visível e gritante expressão da desigualdade: a repartição do rendimento entre o capital e o trabalho.