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Intervenção de António Filipe na Assembleia da República, 20 de Fevereiro de 2020
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A oposição do PCP em relação às iniciativas que estão hoje em debate é bem conhecida. Não é uma oposição tomada de ânimo leve, motivada por maniqueísmos ou baseada em ideias feitas. É uma opção que resulta de uma reflexão intensa sobre um tema que, pela sua complexidade, pelas inquietações que suscita e pela transcendente importância dos valores que estão em causa, dispensa qualquer atitude de arrogância intelectual ou qualquer invocação de superioridade moral.
O PCP sempre se recusou a encarar o debate sobre a eutanásia como uma guerra de trincheiras de religiões contra ateísmos, de pessoas de esquerda contra pessoas de direita, de iluminados contra obscurantistas. O PCP é um Partido laico e de esquerda (não creio que haja dúvidas sobre isso) e baseia as suas posições numa reflexão onde não cabem dogmas nem ideias pré-concebidas.
O julgamento que hoje nos é pedido enquanto legisladores não incide sobre consciências individuais. Trata-se de decidir sobre uma opção legislativa. Uma opção do Estado, não dos indivíduos.
Não fazemos nenhum processo de intenções negativas das iniciativas legislativas, dos seus autores ou de quem concorda com as opções que delas constam. Admitimos, sem qualquer reserva mental, que a intenção dos proponentes seja poupar o sofrimento humano e respeitar a opção individual de acabar com o sofrimento pedindo apoio para pôr termo à vida.
Todavia, o que estamos a discutir, e aquilo sobre que teremos de decidir, não é sobre a opção individual de cada um sobre o fim da sua vida, mas sobre a atitude a tomar pelo Estado relativamente à fase terminal da vida dos seus cidadãos. A autonomia individual é algo que deve ser respeitado, mas uma sociedade organizada não é uma mera soma de autonomias individuais. Não pode o legislador assumir uma opção legislativa sobre a vida e a morte das pessoas sem ter em conta as circunstâncias e as consequências sociais dessa opção.